Augusto Buonicore Publicado em 18.08.2017
Inúmeros autores marxistas, de tendências
diversas, negaram que a questão da construção de partido de vanguarda do
proletariado tenha se constituído como um dos problemas centrais da
agenda teórico-política de Marx e Engels. A tese que minimiza a
preocupação de Marx e Engels quanto ao problema da construção de um
partido de vanguarda foi construída a partir de citações esparsas e
descontextualizadas extraídas da obra dos dois autores alemães.
Inúmeros autores marxistas, de tendências diversas, negaram que a
questão da construção de partido de vanguarda do proletariado tenha se
constituído como um dos problemas centrais da agenda teórico-política de
Marx e Engels. O francês George Sorel, em A decomposição do Marxismo
(1908), escreveu: “o marxismo difere notadamente do blanquismo no que
diz respeito à noção de Partido, que era capital na concepção dos
revolucionários clássicos, pois retomou a noção de classe.”. Harold
Laski, expoente teórico do trabalhismo inglês, no seu prefácio ao
Manifesto do Partido Comunista (1947) seguiu pela mesma trilha: “A ideia
de um partido comunista à parte coube à Revolução Russa; isso não
ocorreu nem a Marx nem a Engels.”.
A representante da ala esquerda do comunismo italiano, Rossana
Rosanda, num interessante artigo publicado em Il Manifesto (1969),
também colocou sua pedra nessa construção teórica: “Se em Marx não
existe uma teoria de Partido é porque em sua teoria da revolução não
existe necessidade dela.”. Até um autor marxista contemporâneo muito
sério, Ralph Milliband, desposou esta opinião. Em Marxismo e Política,
publicado originalmente em 1976, afirmou: “nem Marx nem Engels tinham
uma opinião sobremodo exaltada do ‘partido’ como expressão privilegiada
dos propósitos e reivindicações políticos da classe trabalhadora.”.
Apesar dos matizes diferentes, esses autores têm em comum a
compreensão de que o principal objetivo de Marx e Engels teria sido a
afirmar a capacidade de “autoemancipação do proletariado”. Nisso eles
não estavam totalmente errados, mas do que eles não se deram conta é que
o problema da emancipação do proletariado estava intimamente
relacionado à sua capacidade de construir um partido político
independente e de vanguarda. Uma coisa estava ligada a outra.
A tese que minimiza a preocupação de Marx e Engels quanto ao problema
da construção de um partido de vanguarda foi construída a partir de
citações esparsas e descontextualizadas extraídas da obra dos dois
autores alemães. A maior parte delas expressa em cartas redigidas após
as derrotas das revoluções de 1848-1849 e da crise (e fechamento) da
Liga dos Comunistas. Nesses escritos datados chegaram a afirmar,
apressadamente, que não pertenceriam mais a nenhum partido. Isso mostra
que nem mesmo grandes revolucionários estão imunes às frustrações que
nascem depois da derrota de uma
Primeira edição do Manifesto Comunista
revolução. Mas, como dizem, não podemos
tomar alguns galhos pela floresta toda.
Avaliação mais equilibrada nos foi apresentada por Monty Johnstone no
artigo Marx, Engels e o conceito de Partido (1967), no qual esclarece
que “O conceito de partido proletário ocupa uma posição central no
pensamento e na atividade política de Marx e Engels”, embora “em nenhuma
parte os autores do Manifesto do Partido Comunista apresentam de forma
sistemática uma teoria do partido proletário, sua natureza e suas
características, pelo menos não mais do que o fazem a respeito das
classes sociais e do Estado.”. Esta compreensão parece ser a mais
adequada.
A construção do conceito de Partido em Marx e Engels estava ligada a
algumas descobertas anteriores. Eram elas: 1ª) o papel estratégico do
proletariado na luta pela emancipação humana; 2ª) a centralidade da luta
de classes no campo político; 3ª) a necessidade da tomada do poder
político das mãos da burguesia como condição primária à construção do
socialismo.
O protagonismo operário
Marx e Engels iniciaram a sua parceria teórica e política em agosto
de 1844, quando, em Paris, começaram a escrever A Sagrada Família. Nela,
desenvolveram as teses sobre o papel revolucionário do proletariado
moderno e a necessidade histórica da revolução comunista, já esboçadas
pelo jovem Marx na sua Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843).
Entre outras coisas, afirmaram: "Não se trata do que este ou aquele
proletário, ou inclusive o proletariado em seu conjunto, possam
apresentar-se como meta. Trata-se de o que o proletariado é e o que está
obrigado historicamente a fazer, de acordo com o seu ser.".
Logo em seguida, os dois amigos resolveram expor de maneira mais
sistemática suas novas concepções (o materialismohistórico), que se
contrapunham ao idealismo da escola neo-hegeliana. O trabalho conjunto,
que tomou a forma de dois grossos volumes, estaria pronto em 1846 e se
chamou A Ideologia Alemã. Ali escreveram: "No capitalismo surge uma
classe condenada a suportar todos os inconvenientes da sociedade sem
gozar de suas vantagens (...) e disso nasce a consciência de que é
necessária uma revolução radical.”. A missão histórica colocada para
essa nova classe deveria ser a conquista do poder político das mãos da
burguesia e a gradual expropriação dos meios de produção, abrindo assim o
caminho para a sociedade sem classes, a sociedade comunista. O livro
não encontrou editor e ficou sem publicação na época. Marx, com bom
humor, afirmou: “abandonamos então o manuscrito à crítica roedora dos
ratos.”.
Lembramos apenas que o proletariado moderno – trabalhadores da grande
indústria – ainda era algo recente e concentrado em pouquíssimas
cidades. O caso inglês se constituía numa exceção à regra. A grande
maioria dos operários europeus e estadunidenses se compunha de artesãos
em pequenas oficinas. Em certo sentido, as teses marxianas eram
premonitórias ao apreenderem tendências que só se consolidariam décadas
mais tarde.
Revolta dos operários de Lyon em 1831
No entanto, o proletariado nascente já tinha mostrado toda a sua
força nas insurreições dos tecelões de Lyon (França) em 1831 e 1834, e
na Silésia (Alemanha) em 1844. As maiores demonstrações de organização e
de politização do proletariado haviam sido dadas pelo movimento
cartista na Inglaterra. No ano de 1842, milhões de trabalhadores se
declararam em greve geral em defesa da Carta do Povo, através da qual
exigiam direitos políticos e sociais; e asua principal reivindicação era
o sufrágio universal.
Qualquer observador atento poderia dar-se conta do nascimento de uma
nova força social, destinada a cumprir um papel destacado na história
moderna. Até um ideólogo burguês como Monfalcon, testemunha dessas
rebeliões operárias, constataria aterrorizado: "Uma das próximas
consequências fatais desses eventos será que os operários (...) se
converterão numa classe política (...) e se apresentarão homens que
dirão aos operários 'vosso suor só beneficia aos ricos; os fabricantes
são seus inimigos naturais. Queixais de que sois desgraçados e,
entretanto, sois os mais numerosos e os mais forte. Uni-vos!’". Na
década seguinte, um manifesto, escrito por dois jovens alemães ainda
desconhecidos, estamparia a temida conclamação “Proletários de todos os
países, uni-vos!”. O grande medo de Montfalcon acabou se concretizando.
Movimento cartista inglês
Os primeiros passos do partido operário independente
Marx e Engels pensavam que a futura revolução social e o partido
proletariado que surgiria dela deveriam ter um caráter internacional –
no mínimo europeu. Naquela época, eles não eram os únicos a pensar dessa
maneira. Desde a Revolução Francesa – e da guerra que se seguiu –
ganhou corpo entre os democratas mais avançados a ideia de que a próxima
revolução deveria ser continental. Esta compreensão se transferiu para o
movimento operário e socialista nascente.
Por isso mesmo, os primeiros anos da década de 1840 iriam pegar os
jovens proscritos Marx e Engels envolvidos, de corpo e alma, no processo
de formação dos Comitês de Correspondência Comunista. Estes foram
organizados na Bélgica, em Paris e Londres. Existia um ativo intercâmbio
entre as diversas organizações operárias e revolucionárias. Em Londres
os principais membros do Comitê eram vinculados à Liga dos Justos e ao
movimento cartista.
Segundo Marx, os comitês teriam por objetivo estabelecer “o contato
dos socialistas alemães com os socialistas franceses e ingleses; manter
os estrangeiros atualizados acerca dos movimentos socialistas que se
desencadearão na Alemanha, assim como informar os alemães na Alemanha
acerca do progresso do socialismo na França e Inglaterra. Deste modo,
poderão revelar-se as diferenças de opinião, e, através de um
intercâmbio de ideias, chegar-se a uma crítica imparcial.”. Em outras
palavras: se pretendia realizar um vasto trabalho de propaganda
democrática e socialista e, assim, preparar o terreno para a próxima
revolução popular que já se anunciava. Todos acreditavam ser a
propaganda a condição essencial para se constituir o embrião de um
partido operário e revolucionário internacional.
O cérebro e o coração deste embrião de organização internacional era
Marx, que se encontrava refugiado na cidade de Bruxelas. Em torno de
suas ideias foi se aglutinando e se constituindo um Partido Operário
independente e internacional. Até aquele momento o conceito Partido se
confundia com o de “corrente de opinião”. Não haviam se constituído os
grandes partidos modernos, com programas, estatutos e máquinas
administrativas numa escala nacional. Partido ainda era um termo com
sentido muito fluído.
Marx e Engels travaram importantes embates políticos e teóricos com
outras personalidades e correntes socialistas. O primeiro deles foi
contra Weitling, que era operário autodidata e um dos elementos mais
ativos da Liga dos Justos. Em 1842 ele havia publicado Garantias da
harmonia e da liberdade, saudado por Marx como "uma estreia literária
inigualável e brilhante dos operários alemães.".
Weitling anunciara a iminente chegada do comunismo e defendia, contra
os reformistas, que este só poderia ser conquistado pela luta sem
trégua entre os oprimidos e os opressores. Mas, ao contrário de Marx,
não compreendia o papel especial a ser desempenhado pelo proletariado.
Defendeu que o elemento mais revolucionário da sociedade capitalista
eram "as classes marginais" (o lumpemproletariado) e chegou mesmo a
apresentar um plano detalhado de revolução social. Este se resumia à
formação de um exército de miseráveis e à deflagração de uma guerra de
guerrilhas contra a ordem existente. O plano foi recusado pela maioria
dos membros da Liga dos Justos que o consideraram irrealista.
Ele também não compreendia a necessidade de uma etapa
democrático-burguesa na revolução alemã e a aliança política com os
liberal-democratas burgueses e pequeno-burgueses contra os junkers
(aristocratas agrários). Algum tempo depois escreveria O Evangelho do
pobre pecador, revelando uma visão religiosa do socialismo.
Desfazendo-se de sua antiga perspectiva revolucionária, passou a
preconizar o projeto utópico-reformista de constituição de colônias
comunistas à parte da sociedade capitalista.
Outros adversários de Marx e Engels foram os "verdadeiros
socialistas". Como Weitling, estes negavam a necessidade do
desenvolvimento do capitalismo alemão e achavam possível pular essa
etapa do desenvolvimento social. Ao concentrarem suas críticas à
burguesia liberal-democrática, faziam indiretamente o jogo da
aristocracia agrário-feudal alemã. Esta estratégia, aparentemente de
esquerda, era combatida tenazmente pelos fundadores do socialismo
científico.
Os “socialistas verdadeiros” rejeitavam a luta revolucionária e
pregavam uma espécie de “religião do amor”. A luta de classes seria
fruto de uma incompreensão que poderia ser superada na fraternidade
entre todos os homens. Um de seus principais adeptos, Kriege, viajou
para os Estados Unidos e, em nome da corrente comunista europeia, passou
a predicar o novo evangelho. Apregoou a pequena propriedade como o
caminho natural para o seu comunismo. Como resposta, Marx fez aprovar no
Comitê de Bruxelas o documento Circular contra Kriege. Nele se
afirmava: "A ideia de converter todos os homens em proprietários
privados é absolutamente irreal e, mais ainda reacionária.". Em breve,
Kriege e os “socialistas verdadeiros” sairiam de circulação, engolidos
pelas revoluções populares que varreriam a Europa a partir de 1848.
A última grande luta teórica e política, antes da elaboração do
Manifesto do Partido Comunista, foi travada contra Pierre-Joseph
Proudhon. Em 1840, este havia publicado a sua principal obra,O que é a
Propriedade?, na qual afirmava:“a propriedade é um roubo”. As ideias
radicais e generosas desse socialista francês chamaram a atenção dos
jovens Marx e Engels, que estavam acertando suas contas com a filosofia
idealista alemã e aderindo ao comunismo.
Em A Sagrada Família (1844) ainda se referiram a ele de maneira
bastante positiva. Escreveram: “A obra de Proudhon, O que é a
propriedade?, é tão importante para a economia política moderna quanto a
obra de Sieyés, O que é o terceiro Estado?, para a política moderna.”.
Por isso, em maio de 1846, Marx convidou-o para fazer parte do Comitê de
Correspondência na França. Ele se recusou, mostrando graves
divergências quanto às propostas revolucionárias que apontavam para a
expropriação integral da burguesia.
Na sua carta-resposta Proudhon afirmou: “Talvez o senhor ainda
conserve a opinião de que nenhuma reforma é hoje possível sem um golpe
de mão, sem o que outrora se chamava revolução (...). Prefiro queimar a
Propriedade em fogo lento, ao invés de lhe dar uma nova força, fazendo
com os proprietários uma noite de São Bartolomeu (...). Nossos
proletários têm tão grande sede de ciência que seria mal recebido aquele
que só lhes tivesse a oferecer sangue como bebida.”. A propriedade que
combatia Proudhon era a grande propriedade e não a propriedade dos meios
de produção em geral. A pequena propriedade era a base sobre a qual
procurava assentar o seu projeto de sociedade comunista.
As coisas se complicaram ainda mais quando, em outubro de 1846,
Proudhon publicou o polêmico Sistema de Contradições Econômicas ou
Filosofia da Miséria. Marx escreveria indignado: “O senhor Proudhon é da
cabeça aos pés, filósofo, economista da pequenaburguesia”. O livro era
uma espécie de radicalização das posições reformistas anteriores. Em
certas passagens apresentava mesmo posições abertamente conservadoras.
Proudhon, por exemplo, condenava os sindicatos e as greves como
inúteis e prejudiciais à sociedade. Os aumentos nos salários,
ocasionados pelas greves, apenas causariam o reajuste dos preços que,
por sua vez, aumentaria a penúria da classe operária. Escreveu ele: “A
greve dos operários é ilegal. E não somente o Código Penal que o afirma,
é o sistema econômico (...). Que os operários empreendam, através de
coalizões, violência contra o monopólio, eis o que a sociedade não pode
permitir.”. Em outra passagem afirmou: “É impossível que as greves
seguidas de uma elevação de salários não conduzam a um encarecimento
geral: isto é tão certo como dois e dois são quatro.”. Marx respondeu
ironicamente: “negamos todas estas assertivas, exceto que dois e dois
são quatro.”.
Ele, então, se colocou na tarefa de responder ponto por ponto a todas
as teses equivocadas ali apresentadas. Nascia assim o livro A Miséria
da Filosofia, publicado em julho de 1847. Esta foi a primeira obra
pública na qual foram apresentados, ainda que de maneira polêmica, os
fundamentos do materialismo histórico e de sua crítica à economia
política burguesa. Ao contrário de Proudhon, Marx reforçou a importância
de os operários se organizarem em sindicatos e realizarem greves para
aumentar salários e diminuir a jornada de trabalho, reduzindo a
exploração do trabalho. Afirmava que a consciência sindical era um
estágio necessário para a transformação do proletariado de “classe em
si” em “classe para si”.
Esclareceu Marx: “A formação dessas greves, coalizões e dos
sindicatos caminha simultaneamente com as lutas políticas dos
trabalhadores, que hoje constituem um grande partido político, sob a
denominação de cartistas (...). As condições econômicas, inicialmente,
transformaram a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital
criou para esta massa uma situação comum, interesses comuns. Esta massa,
pois, é já, face ao capital, uma classe, mas ainda não o é para si
mesma. Na luta, de que assinalamos algumas fases, esta massa reúne-se,
se constitui em classe para si mesma. Os interesses que defende se
tornam interesses de classe. Mas a luta entre as classes é uma luta
política.”. Para ele, seria através da luta política que os
trabalhadores se constituiriam em classe no sentido forte da palavra, ou
“uma classe para si”. Portanto, esta seria uma forma superior da luta
de classes. Decorre, dessas duas constatações, uma terceira: o partido
político seria uma forma superior de organização do proletariado, por
ser um meio privilegiado para se travar o combate pela conquista e
preservação do poder político.
A Liga Comunista
A Liga Comunista foi uma continuação da Liga dos Justos. Esta última
foi criada por artesões alemães emigrados em 1836. O centro político da
organização era Paris, mas foram criadas seções secretas na Alemanha.
Depois de participar de uma revolta blanquista (1839), uma parte dos
seus dirigentes foi aprisionada e outra teve que fugir de Paris rumo à
cidade de Londres, onde havia mais liberdade política.
Engels foi o primeiro a entrar em contato com os membros Liga dos
Justos, quando da sua estadia na Inglaterraentre 1842 e 1844. Ele ficou
bastante impressionado e afirmou que tinham sido os primeiros
proletários revolucionários que havia conhecido. Mesmo assim, não se
convenceu em aderir ao grupo,pois suas concepções eram bastante
diferentes naquele momento. A Liga ainda compartilhava algumas ideias
utópicas sobre o socialismo.
No final de 1846 a direção da Liga propôs a convocação de um
congresso com todas as suas seções. O principal objetivo era a
elaboração de um novo programa socialista e dos estatutos, mais
adequados às suas recentes experiências. As posições teóricas e
políticas de Marx e Engels haviam chamado a sua atenção. Por isso, eles
foram convocados para ajudar nesse processo de reorganização.
Então, no dia 2 de junho de 1847, teve início aquele que foi o último
congresso da Liga dos Justos e o primeiro da Liga dos Comunistas. Uma
“carta circular” justificou a alteração do nome: "Nós nos distinguimos
não por propugnar a justiça em geral (...), mas sim por repudiar o
regime social existente e a propriedade privada, propugnamos a
comunidade de bens, somos comunistas.". A divisa também foi alterada
para se adequar aos novos princípios adotados. Em lugar de "Todos os
homens são irmãos" lia-se agora "Proletários de todos os países,
uni-vos!".
O segundo congresso da Liga iniciou-se em 29 de novembro. Marx
elegeu-se delegado por Bruxelas e Engels por Paris. Foi a assembleia
mais expressiva do movimento operário internacional até aquele momento.
Estavam presentes representantes da Alemanha, França, Inglaterra, Suíça e
Bélgica. O primeiro parágrafo dos novos estatutos dizia: “O objetivo da
Liga é o derrubamento da burguesia, a dominação do proletariado, a
superação da velha sociedade burguesa que repousa sobre oposições de
classes e a fundação de uma sociedade sem classes e sem propriedade
privada.”. Este era um divisor de águas em relação a todas as
organizações pequeno-burguesas reformistas ou revolucionárias.
Marx recebeu o encargo de elaborar o programa definitivo da
organização. Ele se chamaria Manifesto do Partido Comunista e viria a
público em janeiro de 1848, poucos dias antes de eclosão da revolução na
França que derrubou o rei Louis Felipe. Em seguida, iniciou-se uma onda
revolucionária que galvanizou toda a Europa e ficou conhecida como
Primavera dos Povos.
Na segunda parte do Manifesto do Partido Comunista, intitulada
Proletários e Comunistas, Marx e Engels procuraram expor a dialética que
envolvia a complexa relação entre o partido e a classe. Nela afirmavam:
“Os comunistas não formam um partido à parte, oposto aos outros
partidos operários. Não têm interesses que o separem do proletário em
geral (...). Os comunistas só se distinguem dos outros partidos
operários em dois pontos: 1º) Nas diversas lutas nacionais dos
proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do
proletariado, independentemente da nacionalidade; 2º) Nas diferentes
fases por que passa a luta entre os proletários e burgueses,
representam, sempre e em toda parte, os interesses do movimento em seu
conjunto.”.
Praticamente, continua o texto, “os comunistas constituem a fração
mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fraca que
impulsiona as demais; teoricamente tem sobre o resto do proletariado a
vantagem de uma compreensão nítida das condições da marcha e dos fins
gerais do movimento proletário.”. Neste trecho, Marx e Engels definem
claramente o papel de vanguarda do Partido Comunista. Segundo eles, o
Partido Comunista faz parte da classe – é um partido do proletariado –,
mas, ao mesmo tempo, não se confunde integralmente com ela, pois
representa sua vanguarda organizada.
Além de terem elaborado uma concepção de Partido e uma estratégica
revolucionária, os autores do Manifesto buscaram delinear as formas de
organização que este partido deveria assumir visando a realizar suas
tarefas. Ou seja, eles buscaram, também, nos legar elementos para a
construção de uma teoria da organização política proletária.
As mudanças estatutárias eram essenciais na transformação da Liga de
uma seita conspirativa (blanquista) numa verdadeira organização
política, revolucionária com influência de massas. Para isso, foram
retiradas dos estatutos todas as excrescências comuns às sociedades
secretas da época, como os rituais místicos de ingresso, juramentos,
concentração excessiva de poderes nos líderes. O congresso anual,
composto de delegados eleitos democraticamente nas comunidades e
regiões, se transformou no órgão máximo da organização. As direções
centrais passaram a ser eleitas nesses congressos e seus membros
poderiam ser destituídos a qualquer momento pela vontade de sua
comunidade. Os órgãos inferiores deveriam se subordinar aos órgãos
superiores.
A Liga dos Comunistas era uma organização bastante democrática e, ao
mesmo tempo, centralizada. Em muitos países ela era clandestina. Para
despistar a polícia e poderem se ligar às massas, seus membros criaram
associações culturais operárias legais onde pudessem atuar mais
abertamente. Marx e Engels abominavam a ideia de que a Liga se
transformasse numa seita, isolada dos trabalhadores e da grande
política.
Muitos dos princípios norteadores da nova organização permaneceriam
na tradição do movimento socialista e comunista: um partido do
proletariado, de vanguarda, internacionalista e voltado para a ruptura
com o capitalismo. Deixou-nos, também, a proposta de um partido que
fosse, ao mesmo tempo, democrático e centralizado.
As derrotas das revoluções populares de 1848, resultado das
vacilações burguesa e pequeno-burguesa, levaram Marx e Engels a
pleitearem com mais força a necessidade de constituição de partidos
operários independentes. Na Mensagem do Comitê Central da Liga dos
Comunistas (1850), escreveram: “A fim de estar em condições de opor-se
energicamente aos democratas pequeno-burgueses, é preciso, sobretudo,
que os operários estejam organizados de modo independente e
centralizados através de seus clubes (...) e, na primeira oportunidade, o
Comitê Central (da Liga) se transferirá para a Alemanha, convocará
imediatamente um Congresso, perante o qual proporá as medidas
necessárias para a centralização dos clubes sob a direção de um
organismo estabelecido no centro principal do movimento.”.
Continuaram eles: “Ao lado dos candidatos burgueses democráticos, que
figurem em toda parte candidatos operários, escolhidos na medida do
possível dentre os membros da Liga, e que para o seu triunfo se ponham
em jogo todos os meios disponíveis. Mesmo que não exista esperança
alguma de vitória, os operários devem apresentar candidatos próprios
para conservar independência, fazer uma avaliação de força e demonstrar
abertamente a todo mundo sua posição revolucionária e os pontos de vista
do partido.”.
A Liga dos Comunistas foi duramente perseguida após a derrota da
revolução alemã. Contra ela, instaurou-se o processo de Colônia, no qual
vários dirigentes foram condenados a longos anos de prisão. Assim, não
havia mais condições de mantê-la funcionando e, em 1852, foi dissolvida.
Marx afirmou: “a Liga dissolveu-se, por minha iniciativa, declarando
que a sua continuação (...) já não corresponde à situação vigente.”.
Começaria então um novo capítulo do complexo processo de constituição
dos partidos socialistas no mundo. Marx e Engels continuariam à frente
dele.
Na segunda parte deste ensaio trataremos do papel desempenhado por
Marx e Engels na construção das duas primeiras internacionais e dos
grandes partidos socialistas, que marcariam fortemente a vida política
da Europa no final do século XIX e início do século XX. E, também,
disponibilizaremos a bibliografia utilizada neste trabalho.
* Este texto é um dos capítulos do livro Linhas Vermelhas: marxismo e dilemas da revolução.
** Augusto César Buonicore é historiador, presidente do Conselho
Curador da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo,
história e revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu verbo é
lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas:
marxismo e dilemas da revolução. Todos publicados pela Fundação Maurício
Grabois e a Editora Anita Garibaldi.
Fonte: http://www.grabois.org.br/portal/artigos/153822/2017-08-18/marx-engels-e-a-questao-do-partido-1-parte
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