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sexta-feira, 29 de março de 2019

Cearenses reúnem pela paz e soberania na Venezuela

 

  
Na noite desta quinta-feira (28) movimentos sociais, entidades representativas da sociedade civil e de partidos políticos participaram do ato "Tirem as Mãos da Venezuela" realizado na sede da ADUFCE, em Fortaleza (CE). A ação foi promovida pelo Comitê Cearense de Solidariedade à Venezuela e teve como convidada especial a Cônsul Geral da Venezuela, Sônia Russel. 
 
Após a abertura com a exibição do clip "Tambores de la paz" e a mesa de saudações, a diplomata venezuelana resaltou a luta pela soberania e o clima de solidariedade predominante no povo de seu País ante todos os ataques sofridos e da atual crise provocada a partir do exterior. 
Sônia pontuou as principais conquistas históricas do chavismo nos últimos 20 anos e denuciou os atos de agressão cometidos pela oposição e pelo imperialismo norte-americano, ressaltando ainda a necessidade de atuação da midia alternativa e contra-hegemônica na guerra midiática travada no continente. 
 
O advogado e jurista pela democracia Marcelo Uchôa integrou a mesa de debates e explanou sobre o atual sistema eleitoral venezuelano. Marcelo foi observador internacional das eleições no país em 2017 e destacou que a Venezuela possui um sistema de votação "muito mais democrático" que os diversos países da região e do que os próprios Estados Unidos, o que desagrada a oposição.
 
Após a fala da mesa o público participou de debates com comentários e perguntas à Cônsul. Ao final do evento foi entregue o Manifestado do Comitê de Solidariedade assinado por diversas entidades e agentes políticos.
 
#VivaVenezuela #VenezuelaSoberana
 
#PaznaVenezuela #ComitêCearense


Fonte: Comitê Cearense de solidariedade à Venezuela

    1954-1964-2016: Todos os golpes se parecem?

    As formas dos golpes podem variar, contudo, a maioria deles tem algo em comum: o objetivo é preservar os interesses das classes economicamente dominantes que, de algum modo, estariam sendo prejudicados. Mas essas classes são extremamente minoritárias. Por isso, precisam necessariamente atrair para o seu lado as camadas médias, utilizando os seus medos e preconceitos provenientes de sua posição social particular no modo de produção capitalista


    Por Augusto C. Buonicore *

    As mesmas "ameaças" se repetiram em 1964 e 2016As mesmas "ameaças" se repetiram em 1964 e 2016
    Num discurso após a aprovação do seu impedimento na Câmara dos Deputados, a presidenta Dilma Roussef afirmou que "o Brasil tem um veio golpista adormecido. Se nós acompanharmos a trajetória dos presidentes no meu país, no regime presidencialista a partir de Getúlio Vargas, nós vamos ver que o impeachment, sistematicamente, se tornou um instrumento contra os presidentes eleitos". A grande imprensa, envolvida até o pescoço neste complô contra a presidenta evitou usar a palavra golpe. Mas, como disse Vladimir Safatle: “nada mais previsível que golpe não seja chamado de golpe em um país no qual ditadura não é chamada de ditadura”. De fato, o golpe militar de 1964 foi chamado de “revolução” e a ditadura de “governo forte” ou “democracia restrita”, numa mistura de hipocrisia e cinismo. 

    As formas dos golpes podem variar, contudo, a maioria deles tem algo em comum: o objetivo é preservar os interesses das classes economicamente dominantes que, de algum modo, estariam sendo prejudicados. Mas, estas classes são extremamente minoritárias. Por isso, precisam necessariamente atrair para o seu lado as camadas médias, utilizando-se dos seus medos e preconceitos provenientes de sua posição social particular no modo de produção capitalista. 

    Uma das principais marcas da ideologia das camadas médias é o medo da proletarização. Nada lhe causa mais insegurança que o crescimento das lutas populares, que são encaradas como uma ameaça à sua condição social. No caso da América Latina existiria ainda um agravante, como afirmou Carlos Altamirano: “as classes médias dos países de capitalismo dependente (...) gozam de um quadro de privilégios relativos. Seu padrão de vida é significativamente superior ao das grandes massas empobrecidas. Aqui existe um desnível de vida consideravelmente maior que nos países capitalistas avançados (...). Essa particularidade dificulta uma aliança com o proletariado; como o processo revolucionário deve forçosamente impor uma distribuição de renda eqüitativa para as grandes massas, a deterioração relativa dos setores médios é quase inevitável.” 

    É claro que as coisas nem sempre aparecem dessa forma. O papel da ideologia é justamente encobrir os verdadeiros interesses de classes em jogo. As camadas médias, em geral, não vão às ruas pedindo o fim da democracia ou pela retirada de direitos sociais. O seu mote é sempre a luta pelas liberdades, ameaçada pelo comunismo; e contra a corrupção político-estatal. Esses setores sociais são usados pelos de cima e depois descartados. Vejamos alguns exemplos de golpes dados no Brasil depois da aprovação da constituição de 1946.

    O golpe contra Vargas

    Vargas venceu a eleição de 1950 com 48% dos votos, seguido pelo udenista brigadeiro Eduardo Gomes que obteve 29,7%. O jornalista Carlos Lacerda já havia dito: "O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar". Apesar da ampla diferença de votos, levantou-se a tese sobre a necessidade de se obter maioria absoluta para que o candidato pudesse ser vitorioso. Uma porcentagem, praticamente, impossível de ser atingida num processo eleitoral de turno único e onde disputavam vários candidatos. A manobra golpista fracassou. O TSE reconheceu o resultado e os militares nacionalistas avalizaram a posse dos eleitos. 

    A grande imprensa liberal-conservadora não havia tido tempo de criar junto aos setores médios um clima anti-Vargas, necessário a sua derrubada. O novo presidente, pressentindo as dificuldades que encontraria, procurou compor um governo com todos os partidos, inclusive o seu arqui-rival: a UDN. Ao PTB coube apenas o Ministério do Trabalho. Esta posição conciliadora foi duramente criticada pelos nacionalistas e os comunistas. E, ao mesmo tempo, não conseguiu amenizar o tom da oposição udenista e de seus aliados na grande imprensa, que jamais engoliram a vitória do velho caudilho. As coisas tenderiam a se agravar nos meses seguintes. 

    Em março de 1953 eclodiu uma das maiores greves da história brasileira. Durou cerca de um mês e envolveu 300 mil trabalhadores paulistas. O Partido Comunista do Brasil (PCB) teve um papel destacado naquele movimento. Poucas semanas depois entraram em greve mais de 100 mil marítimos. As bases sociais do getulismo iam sendo corroídas pelas mobilizações dirigidas pelos comunistas, que lhe faziam oposição à esquerda. Visando a recobrar o terreno perdido, Vargas indicou João Goulart para o Ministério do Trabalho. 

    Naquele mesmo período os udenistas denunciaram o financiamento fornecido pelo Banco do Brasil ao jornal Última Hora, único grande órgão jornalístico favorável ao governo. Foi criada então uma CPI na Câmara dos Deputados, que acabou virando uma caixa de ressonância às denúncias da oposição direitista. Lacerda em suas Memórias afirmou que só conseguiu repercutir sua campanha contra Weiner e Vargas “quando Roberto Marinho, de um lado, lhe ofereceu os microfones da Rádio Globo, e Assis Chateaubriand, de outro, lhe abriu as telas da Televisão Tupi”. 
    No final do ano Vargas sancionou a lei que estabelecia o monopólio estatal do petróleo, criando a Petrobrás. Alguns meses depois, assinou um decreto estabelecendo o limite de 10% para remessas de lucros e dividendos ao exterior. Em seguida foi criado a Eletrobrás. Medidas que descontentaram o imperialismo e seus aliados no país. Por fim, no início de 1954, visando angariar apoio entre os trabalhadores, o ministro João Goulart apresentou a proposta de um reajuste de 100% no salário-mínimo. 

    Levantou-se, então, uma onda de protestos por parte do conjunto da burguesia e dos setores conservadores. Dias depois, oficiais das Forças Armadas lançaram o Memorial dos Coronéis. Nele afirmavam: “a elevação do salário mínimo que, nos grandes centros do país, quase atingirá o dos vencimentos máximo de um graduado, resultará, por certo, se não corrigida de alguma forma, em aberrante subversão de todos os valores profissionais”. Era o grito do setor fardado das camadas médias. Surgiram acusações de que Vargas e Jango queriam instaurar entre nós uma República Sindicalista.

    Diante de tal pressão o governo ensaiou um recuo e retirou Jango do ministério. No entanto, a medida não aplacou a ira da oposição direitista. Nos primeiros dias de abril, João Neves da Fontoura, ex-ministro de relações exteriores de Vargas, denunciou a articulação de um pacto entre os governos brasileiro, chileno e argentino visando opor-se aos interesses dos Estados Unidos na região. Para as consciências subalternizadas isso era um escândalo. 

    Diante desses fatos, Vargas decidiu manter a radicalização do regime, visando aproximá-lo ainda mais das classes populares. No comício de primeiro de maio fez um discurso no qual, dirigindo-se aos operários, afirmou: “Hoje vocês estão com o governo. Amanhã vocês serão governo” e apresentou o decreto de reajuste de 100% do salário mínimo, índice que havia sido o motivo da destituição de Goulart poucos meses antes.

    O PCB não compreendeu as mudanças que vinham ocorrendo e se manteve firme numa postura de oposição sistemática ao governo Vargas. A burguesia, no entanto, entendeu bem o que acontecia e, por isso, elevou o tom da oposição, delineando sua saída golpista. Aproveitando-se da confusão, a UDN pediu abertura do processo de cassação do presidente, mas foi derrotada por uma ampla maioria de votos em junho de 1954. A partir de então, para oposição, só haviam duas saídas: a renúncia ou golpe militar. 

    O pretexto do golpe foi dado em 5 de agosto, quando ocorreu uma tentativa de assassinar Lacerda na qual morreu um major da aeronáutica. Oficiais anti-varguista tomaram para si o controle das investigações e formaram a chamada República do Galeão. Várias pessoas ligadas ao governo foram intimadas e presas. Logo se comprovou o envolvimento de elementos da guarda pessoal do presidente no atentado. Lacerda, através da Tribuna da Imprensa, bradava contra o “mar de lama”. Multidões insufladas – compostas principalmente de elementos das camadas médias - começavam a tomar as ruas pedindo a saída de Getúlio. 

    Naquele momento, um novo personagem adere à conspiração: o vice-presidente Café Filho. Este chega a blefar sugerindo a Getúlio uma renúncia coletiva. De fato, ele já estava mancomunado com a oposição udenista que lhe prometia apoio político caso assumisse. 

    Em 9 de agosto o Correio da Manhã pediu que Vargas renunciasse. “A renúncia, afirmou o jornal, não significa uma derrota, nem uma humilhação. Deixará o governo sem ser deposto ou vencido”. No dia seguinte o editorial d’O Estado de São Paulo afirmava: “o remédio para situação pessoal de S. Exa. está na própria Carta Constitucional: entregar o governo ao vice-presidente”. A Folha da Manhã do dia 12 estampava: “Considerada a renúncia de Getúlio Vargas como a única saída constitucional para a crise”. Então, a oficialidade rebelada dá um ultimato ao presidente. O afastamento provisório, até o final das investigações, aceito por Vargas, era rejeitado. Eles queriam a renúncia definitiva. Era a consumação do golpe. 

    Pressionado pelos acontecimentos, no dia 24 de agosto, o presidente se suicidou. As condições trágicas de sua morte e, especialmente, o forte teor nacionalista de sua carta-testamento, levaram a uma verdadeira rebelião popular nas grandes cidades brasileiras. As redações dos jornais e sedes dos partidos oposicionistas foram depredadas pela multidão enfurecida. A massa tentou atacar a embaixada norte-americana, encarada como principal articuladora do golpe de Estado. O líder civil da campanha contra Getúlio e pivô da crise que o levou ao seu suicídio, Carlos Lacerda, foi obrigado a se esconder.

    Após a morte de Vargas não se consolidou uma ditadura militar, como em 1964, mas o conspirador Café Filho assumiu a presidência. O seu ministério foi composto com vários quadros da UDN, inimiga de Vargas. Durante o seu curto mandato sofreu forte oposição de trabalhistas e comunistas, agora unidos. A missão do governo conservador era impedir a volta dos herdeiros do varguismo. 

    Apesar de todas as manobras, na eleição presidencial de 1955, ocorre uma nova derrota da direita udenista: venceu a chapa Juscelino/Jango. Era o fantasma de Getúlio redivivo, especialmente na figura do vice-presidente. Através do seu jornal Lacerda bradava: “esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, não tomarão posse”. O problema é que diferença entre os primeiros colocados havia sido muito pequena: Juscelino obteve 36% dos votos; Juarez Távora, apoiado pela UDN, 30%. Adhemar de Barros ficou com 26%. Com mais força levantou-se a tese da necessidade da “maioria absoluta”. A tese udenista não foi aprovada pelo TSE que ratificou a decisão das urnas. Contudo, nas sombras, já se planejava outro golpe. 

    Providencialmente, em 3 de outubro, Café Filho sofreu um enfarto e teve que se licenciar do cargo. O seu lugar foi assumido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz - um notório golpista. Este aceita a demissão do Marechal Teixeira Lott, um dos poucos nacionalistas e legalistas do governo. O militar logo percebeu a manobra e, 11 de novembro, deu um golpe preventivo, destituindo Luz e empossando o presidente do Senado Nereu Ramos, comprometido em dar posse aos eleitos.

    Dez dias depois o presidente licenciado diz estar plenamente recuperado e pronto a reassumir o cargo. Lott, novamente, colocou as tropas nas ruas e o congresso foi obrigado a rejeitar o seu regresso, ratificando Nereu Ramos na presidência até a posse de JK e Jango.

    Golpistas contra João Goulart

    Na eleição presidencial de 1960 os liberais-conservadores, capitaneados pela UDN, obtiveram sua primeira grande vitória, através da candidatura de Jânio Quadros. A vitória não foi completa, pois para a vice-presidência elegeu-se o seu arquiinimigo João Goulart.

    No entanto, Jânio não se comportou exatamente como esperava seus apoiadores. Se, do ponto de vista da política interna, era um ortodoxo (em matéria econômica) e moralista, combatendo a corrupção, a briga de galo, a corrida de cavalos no meio da semana e os biquínis na televisão; na política externa adotava uma posição de não-alinhamento automático com os Estados Unidos. Chegou mesmo a se posicionar contra a expulsão de Cuba de OEA e condecorar Che Guevara. Essas atitudes descontentaram a direita, que começava a lhe fazer oposição, especialmente Carlos Lacerda. Isso deixou o governo ainda mais isolado.

    Sabendo que seu vice era intragável aos setores militares, Jânio jogou com a cartada da renúncia. Pensou que todos – inclusive seus eleitores - iriam exigir o seu retorno, outorgando-lhe mais poderes. Porém, nada disso ocorreu. As correntes democráticas e nacionalistas passaram a exigir a posse imediata do vice-presidente e a direita se encaminhou, novamente, para o golpe de Estado.

    Os ministros militares, insuflados pela UDN, vetaram a posse de Jango. Era um claro desrespeito à Constituição. Por isso, do outro lado, formou-se uma grande frente em defesa da legalidade democrática. O governador gaúcho Leonel Brizola – que conseguiu apoio do 3º Exército – encabeçou a resistência. Os trabalhadores, estudantes, intelectuais progressistas e a baixa oficialidade se mobilizaram. O Brasil chegou à beira de uma guerra civil. 

    Os golpistas – sem apoio popular e diante da possibilidade de um conflito armado – recuaram, mas conseguiram impor o parlamentarismo, através de uma emenda constitucional. O presidente assumiria com seus poderes reduzidos. O golpe militar a seco fora substituído por um “golpe branco” ou parlamentar. Nestas condições Jango assumiu e, como Getúlio, tentou realizar uma política de conciliação. No primeiro governo ao PTB (partido do presidente) coube apenas um único ministério. 

    Em outubro de 1962 ocorreram as eleições para a Câmara dos Deputados. O PTB quase dobrou o número dos seus parlamentares: de 66 passou para 116 (28% do total das cadeiras). Os pequenos partidos aliados conquistaram 49 vagas (12%). Apesar do avanço dessas forças, representavam apenas 40% do total de deputados – número insuficiente para iniciar as mudanças necessárias. O PSD, a UDN e os demais partidos conservadores representavam 60% da Câmara Federal.

    Um exemplo das dificuldades encontradas por Jango, por não ter uma maioria segura no Congresso, foi quando da votação de uma emenda constitucional visando facilitar a reforma agrária. O PTB apresentou, com apoio do governo, um projeto de emenda que permitiria a desapropriação de terras sem indenização prévia em dinheiro. Em 17 de outubro de 1963 a emenda foi derrotada na Câmara recebendo 41% dos votos contra 59%. Favoravelmente as reformas se colocaram o CGT, a UNE e as Ligas Camponesas, que constituíram a Frente de Mobilização Popular.

    Durante o governo Jango a crise econômica se agravou. Em 1963 o PIB crescera apenas 1,5% e inflação atingira a cifra de 81,3%. Nada apontava para uma melhoria no ano seguinte. Num ambiente de maior democracia, a luta operária cresceu e obteve algumas conquistas econômicas, minimizando o efeito da crise para os trabalhadores. 

    Ainda em 1963 ocorreram 172 greves. Essa tendência se manteria no ano seguinte. Entre janeiro e fevereiro o campo brasileiro ferveu, especialmente no nordeste. Grande destaque teve a greve de 300 mil trabalhadores dos engenhos e usinas nordestinas. Os proprietários agrários – que haviam dado certo apoio à Vargas e JK em troca de se manter a “paz no campo” – rompem com o governo. Podemos dizer que durante o governo Jango a política saiu dos limites dos partidos e do parlamento e ganhou às ruas. 

    Jango tentou ainda organizar uma Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base, que deveria incluir o PSD. A proposta foi rechaçada pela esquerda trabalhista-brizolista. A falta de unidade em torno da tática levou ao fracasso de um projeto frentista mais amplo que, por sinal, também não era bem visto pelos caciques conservadores do PSD.

    Goulart então aderiu – ainda que de maneira relutante - à tese da frente de esquerda e nacionalista. O rito de passagem foi o grande comício de 13 de março na Central do Brasil (RJ), que reuniu cerca de 200 mil pessoas e no qual o presidente apresentou alguns dos seus decretos reformistas. Nele Jango atacou a “democracia dos monopólios”, a “mistificação do anticomunismo” e “os privilégios das minorias proprietárias de terra”. Naquele mesmo assinou decretos que estabelecia a desapropriação de terras de mais de 100 hectares ao lado das estradas, ferrovias e açudes federais; nacionalizando as refinarias privadas de petróleo; tabelando o preço dos aluguéis. Nenhuma dessas medidas poderia ser definida como radical ou ameaçadora da ordem capitalista, mas assustaram a burguesia e as camadas médias. 

    A resposta da direita foi a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, reunindo cerca de 500 mil pessoas, que contou com apoio de setores da Igreja Católica, Fiesp, Sociedade Rural Brasileira e diversas entidades representativas das camadas médias. Como disse Moniz Bandeira, “sob o impacto do apelo religioso e da propaganda anticomunista, ativada pela imprensa conservadora, considerável parcela das classes médias, que a inflação castigava, derivou para a direita, para engrossar as correntes anti-Goulart. O equilíbrio de forças rompeu-se, o centro, como em todos os momentos de crise, sumiu, e o governo balançou”. Estava criada uma base social e de massas para o golpe de Estado.

    Desta vez o pretexto encontrado foi a Revolta dos Marinheiros, iniciada em 26 de março. Argumentou-se que ela teria representado a quebra da hierarquia militar e o primeiro passo para um golpe janguista, com apoio comunista. A ordem liberal-burguesa estaria ameaçada. Assim, fechou-se o cerco em torno de Goulart. Contra ele se posicionaram o conjunto das classes proprietárias e maioria da alta oficialidade, com apoio da imprensa e das camadas médias.

    Em 31 de março teve início o golpe militar. O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, convocou uma sessão do Congresso Nacional e, com Jango ainda em território brasileiro, declarou vaga a presidência da República e empossou o presidente da Câmara da Câmara Ranieri Mazzili. A grande maioria dos governadores, assembléias legislativas e câmaras municipais – como o poder judiciário - apoiaram a deposição. Portanto, o golpe de 1964 não foi um mero complô militar, com apoio do imperialismo estadunidense, ele tinha sólidas bases nas classes dominantes e na parte superior das classes médias. Nos dias que se seguiram elas saíram às ruas em grandes manifestações nas quais confraternizaram com as tropas e exorcizaram seus medos em relação à ascensão das classes populares e do comunismo. 

    Ao ajudar a derrubar o “populismo”, as camadas médias viram-se isoladas diante da grande burguesia monopolista, aliada ao capital estrangeiro. Repetia-se no país um fenômeno muito comum nas contrarrevoluções. Ao destruir a esquerda, o centro vê-se à mercê da direita. Em outras palavras, ao derrotar o proletariado, as camadas médias urbanas se vêem esmagadas pela grande burguesia. Logo ela estaria engrossando o coro contra a ditadura militar, que ela mesma havia ajudado a implantar.


    *Augusto C. Buonicore é historiador, diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução, todos publicados pela Editora Anita Garibaldi.

    Bibliografia

    BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). Brasília/ Rio de Janeiro: Editora UnB/Revan, 2001.
    BOITO JR, Armando. O Golpe de 1954: A burguesia contra o populismo. São Paulo: Brasiliense, 1982.
    D'ARAÚJO, Maria Celina S. O Segundo Governo Vargas (1951-1954). São Paulo: Ática, 1992.
    GOMES, Angela de Castro (org.). Vargas e a Crise dos Anos 50. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
    SAES, Décio. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: T. A. Queiróz, 1985.
    SILVA, Hélio. 1954: Um Tiro no Coração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
    SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo, Ed. Paz e Terra, 1982
    TOLEDO, Caio Navarro. O governo João Goulart e o golpe de 1964, São Paulo:Ed. Brasiliense, 1984



     *Artigo publicado originalmente na revista Princípios, edição 141 de março a maio de 2016.

      Corregedor instaura ação contra procuradores da Lava Jato em Curitiba

      O corregedor nacional do Ministério Público Federal (MPF), Orlando Rochadel, determinou a instauração de reclamação disciplinar contra os procuradores da Lava Jato que atuaram em acordo bilionário envolvendo Petrobras e Departamento de Justiça dos EUA para criação de uma fundação.

      Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
       Representação pede afastamento imediato de Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato Representação pede afastamento imediato de Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato
      O acordo, envolvendo valor de R$ 2,5 bilhões, é considerado fraudulento pela representação apresentada pelo PT ao corregedor. Nela, pede-se ainda o afastamento imediato do procurador Deltan Dallagnol da coordenadoria da operação Lava Jato em Curitiba.

      No fim de janeiro, Dallagnol começou a negociar com a Caixa Econômica Federal alternativas de investimento nos procedimentos para organizar a fundação que administraria o fundo de R$ 2,5 bilhões formado com dinheiro da Petrobras. Entretanto, o acordo foi suspenso em 12 de março.

      “Atribuem aos membros ministeriais a prática de infração funcional em virtude de suposta atuação abusiva, ao argumento de que teriam figurado como signatários de um Acordo de Assunção de Compromissos com a empresa Petrobrás S/A, com o objetivo de conferir destinação de valores pagos a título de multa por atuação irregular nos Estados Unidos da América, sem possuírem, como aduzido, atribuição legal para assim agir”, diz o corregedor. 

      A fundação seria criada a partir do litígio entre Petrobras e Estados Unidos. Acusada de fraudar o mercado de ações, a estatal teria que pagar taxas milionárias ao país. Em vez disso, fez um acordo segundo o qual esse dinheiro seria investido na criação de uma fundação no Brasil, com o objetivo de organizar atividades anticorrupção. Em troca de o dinheiro ser repatriado, a Petrobras assinou um documento no qual se comprometeu a repassar informações de seus negócios e inovações para os EUA.

      Afronta constitucional 

      Na reclamação, os parlamentares do PT afirmam que os membros do MP devem observar o ordenamento jurídico brasileiro e as competências atribuídas a cada poder. “A 'lava jato' possui competência exclusivamente criminal, não podendo atuar em acordos cíveis. Fica claro que houve afronta constitucional”, defendem.

      “Os membros da operação extrapolaram suas atribuições constitucionais, evidenciando abuso de poder e má-fé e não podem ser impunes”, acrescentam.
      Segundo os parlamentares, o Código Penal é claro ao afirmar que compete à União e aos estados destinar valores, bem e direitos recuperados pela decisão condenatória pelo crime de lavagem de dinheiro. “Essa destinação deverá ser precedida de deliberação da União e não por um acordo do MP.”

      Orlando Rochadel deu prazo de dez dias para que os procuradores Deltan Martinazzo Dallagnol, Antônio Carlos Welter, Isabel Cristina Groba Vieira, Januário Paludo, Felipe D’ella Camargo, Orlando Martello, Diogo Castor De Mattos, Roberson Henrique Pozzobon, Julio Carlos Motta Noronha, Jerusa Burmann Viecilli, Paulo Roberto G. De Carvalho, Athayde Ribeiro Costa e Laura Gonçalves Tessler se pronunciem sobre a atuação.


      Da redação do Portal Vermelho com informações do Site Conjur

        Bandeira de Melo: Bolsonaro ofende o Direito até o limite possível

        A determinação do presidente Jair Bolsonaro ao Ministério da Defesa, para que providenciasse “comemorações devidas” ao golpe de 1964, continua surtindo consequências jurídicas e políticas. Para Bandeira de Mello, ao celebrar golpe de 1964, presidente da República comete crime de responsabilidade. 

        Foto: Reprodução YOUTUBE
        "O governo dele nem existe, praticamente. É uma catástrofe", diz jurista sobre presidente Bolsonaro.
"O governo dele nem existe, praticamente. É uma catástrofe", diz jurista sobre presidente Bolsonaro.
        O Ministério Público Federal (MPF) passou a recomendar às Forças Armadas de todo o país que não promovam tais celebrações. Em entrevista a um programa de TV nesta quarta-feira (27), Bolsonaro afirmou que não houve ditadura no país e que o regime militar teve apenas “probleminhas”, como num casamento.

        “Acho impossível você agredir mais violentamente o Direito brasileiro do que dizendo que você quer comemorar a violação a esse Direito”, diz o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello. Para ele, uma das vozes mais importantes no meio jurídico brasileiro, o presidente da República cometeu crime de responsabilidade ao determinar a comemoração, com a ressalva de que teria de reexaminar melhor a Constituição e a legislação para dar uma resposta mais fundamentada.

        Na terça (26), parentes de vítimas da ditadura e o Instituto Vladimir Herzog haviam pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) a concessão de liminar contra as comemorações. Por sua vez, ciente das repercussões políticas negativas de sua atitude, Bolsonaro recuou ontem e negou que tenha determinado os festejos. "Não foi comemorar, foi rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro", disse.

        Bandeira de Mello afirma que continua tão perplexo com a eleição de Bolsonaro quanto dias antes da eleição, quando declarou que o mais difícil de entender era o fato de o povo elegê-lo. “Os eventos sucessivos comprovaram que eu tinha muita razão em ficar estuporado”, observa. “O governo dele nem existe, praticamente. É uma catástrofe. Todo mundo vê que esse homem não tem capacidade para governar.”

        Embora afirme que não espera “grande coisa” do Judiciário, Bandeira de Mello tem a expectativa de que Lula seja absolvido nas instâncias superiores e que o STF ponha fim à questão da prisão após condenação em segunda instância, em julgamento previsto para 10 de abril.

        “Como o Lula está preso antes do trânsito em julgado, eu acredito que não há outro caminho senão liberar o Lula e os outros todos que estão na mesma situação.” Para o jurista, sendo o guardião da Constituição, o STF “vai ter que cumprir esse papel, se quiser prosseguir naquilo que é dever dele”.

        Por telefone, Bandeira de Mello falou à RBA.

        Ao determinar a comemoração do golpe de 64, o presidente incorreu em crime de responsabilidade?

        Eu acho que sim. Porque ele não pode comemorar uma violação da democracia, dos direitos humanos aí compreendidos. Para mim, isto é um ato violador do Direito.

        Segundo uma interpretação, a atitude não caracteriza crime de responsabilidade, que poderia provocar impeachment, mas seria crime de improbidade.

        Eu teria que examinar melhor a questão para lhe dar uma resposta mais fundamentada. Mas, a meu ver, é difícil existir uma violação contra o Direito maior do que aquela de você elogiar a violação do sistema jurídico do país. Não vejo como seja possível violar de maneira mais grave do que essa.

        O ex-ministro Eugênio Aragão considera que há crime de responsabilidade. Para o professor Pedro Serrano, é crime de improbidade.

        Eu respeito muito a opinião do Pedro Serrano, que acho um homem de altíssimo nível, e na minha opinião o maior constitucionalista brasileiro no momento. Mas não concordo com ele. Acho impossível você agredir mais violentamente o Direito brasileiro do que dizendo que você quer comemorar uma violação a esse Direito.

        A interpretação do Direito é muito subjetiva, não?

        Olha, eu acho que o Direito não é tão subjetivo. Eu reconheço que no Direito há espaço para divergência em certas matérias. Mas, a meu ver, nessa matéria não há espaço. Quem comemora uma violação básica da Constituição, quem comemora um golpe militar está ofendendo até o limite possível o Direito, em termos de fala, claro, porque, mais do que isso, só com atos, não é?

        Se isso configura um crime de responsabilidade, poderia dar margem ao impeachment?

        Claro que poderia, se é crime de responsabilidade. Eu teria que reexaminar o texto (constitucional), mas eu acho que estou certo. 

        O presidente Jair Bolsonaro disse que não houve ditadura e que o regime militar só teve “probleminhas”...

        Nem cabe comentar isso. Mas ele não se preocupa com isso. Ele não é um homem democrata. Esse homem foi deputado várias vezes, mas era um dos deputados menos cotados no Congresso. Eu tenho muita dificuldade de entender como esse homem saiu candidato e foi eleito. Confesso, com toda sinceridade, que tenho muita dificuldade de entender. Se fosse um grande deputado, um homem de posições notórias... Mas não era nada disso, era um deputado absolutamente obscuro. Por trás disso deve ter alguma coisa que eu não estou sabendo o que é... Não é possível o mais obscuro dos deputados ser candidato à presidência e ganhar as eleições. E ganhou bem. É difícil entender.

        Na semana da eleição o sr. disse que achava que ele seria eleito e que lhe causava “estupor” o fato de o povo elegê-lo...

        Continuo tão perplexo quanto eu estava antes. Acho apenas que os eventos sucessivos comprovaram que eu tinha muita razão em ficar estuporado. Porque o governo dele nem existe, praticamente. É uma catástrofe. Todo mundo vê que esse homem não tem capacidade para governar. Nenhuma.

        O que o sr. espera do Judiciário daqui para a frente, nesse contexto?

        Do Judiciário eu nunca espero grande coisa. Lamento dizer, mas não espero. Eu esperava antigamente muito do Judiciário. Hoje não espero mais. Infelizmente o nosso Poder Judiciário não revela a altivez que eu esperava dele. Ele já foi extremamente respeitado.

        Uma coisa que me chamava muita atenção quando eu visitava a Argentina é que enquanto nós, brasileiros, tínhamos grande confiança e esperança no Poder Judiciário, eles, argentinos, não tinham nenhuma. Eu achava isso estranho, mas hoje eu acho que o Judiciário não oferece mais a mesma segurança que nos oferecia antigamente. Provavelmente a opinião da grande maioria da área jurídica é essa mesma. Não é que eu não acredite mais no Judiciário. Dentro de poucos dias vai ser julgado o Lula.

        O que o sr. espera?

        Espero absolvição.

        Haverá o julgamento no STJ e, no STF, a questão da segunda instância. São duas possibilidades...

        São duas. Acredito nos termos constitucionais, está escrito expressamente no texto, que ninguém pode ser preso senão depois de transitado em julgado. Tudo que tem ocorrido, a prisão sem transitar em julgado, é uma violação da Constituição óbvia, no meu modo de entender. Não há como dar outra interpretação. Eu acho que agora, na minha visão – que pode estar errada, evidente – vai haver uma retificação dessa linha, e se cumpra a Constituição, simplesmente. Isto é, que só transitando em julgado alguém possa ser preso. Como o Lula está preso antes do trânsito em julgado, eu acredito que não há outro caminho senão liberar o Lula e os outros todos que estão na mesma situação.

        Que são muitos milhares...

        Muitos. É um número muito grande de pessoas que estão condenadas sem que a matéria tenha chegado à última instância. Leia a Constituição, está expresso que alguém só pode ser condenado à prisão depois de transitado em julgado.

        Parece que vai depender do voto da Rosa Weber...

        Eu não sei de quem vai depender. Até a última conta que eu havia feito tinha uma vantagem de um voto a favor de cumprir a Constituição. Mas quem pode garantir que isso continue vigorando? Então, a gente fica na expectativa, embora a minha seja a de que o Lula, como os outros, todos, vão ser liberados se por acaso foram presos sem que se chegasse à última instância. E está chegando ao fim, isso. Vai ser dia 10, não é?

        Mas antes deve ter o julgamento do STJ sobre o próprio recurso do Lula.

        Pode ser. Eu não me impressiono muito com isso porque terá que ser julgado pelo Supremo, e o Supremo é a corte mais alta do país. Espero que ele ponha a Constituição em seus devidos termos. Até acredito nisso, não vou dizer que eu só espero, por uma esperança. Não, eu acredito nisso. O Supremo é o guardião da Constituição, e ele vai ter que cumprir esse papel, se quiser prosseguir naquilo que é dever dele.



        Fonte: Brasil de Fato

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          Memória: como Edson Luis se tornou um ícone do movimento estudantil

          Há 51 anos, em 28 de março de 1968, morria no Rio de Janeiro o secundarista Edson Luis, um dos primeiros estudantes assassinados pela ditadura militar (1964-1985). A comoção em torno de seu tombamento levou dezenas de milhares de pessoas às ruas e escancarou o crescente repúdio da sociedade ao regime imposto pelo Golpe de 64. André Cintra e Raisa Marques reconstituíram o caso no livro Ubes, Uma Rebeldia Consequente – A História do Movimento Estudantil Secundarista do Brasil (2009). Confira.

           Estudantes velam o corpo do secundarista Edson Luis, um jovem mártir na luta contra a ditadura militar Estudantes velam o corpo do secundarista Edson Luis, um jovem mártir na luta contra a ditadura militar
          Uma morte, o estopim
          Com a morte de um estudante secundarista, o povo sai às ruas e manifesta seu repúdio à ditadura

          Por André Cintra e Raisa Marques*

          Os grandes conflitos entre a ditadura militar brasileira e o movimento estudantil em 1968 têm como estopim a morte de um secundarista, Edson Luís de Lima Souto, no Rio de Janeiro. É um episódio-chave na história das lutas estudantis em geral e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) em particular.

          “A reação à morte do Edson Luís foi de uma amplitude, de uma radicalidade que ninguém imaginava, mesmo os que achavam que o ano seria de mobilizações”, declarou, em entrevista ao projeto Memória do Movimento Estudantil (MME), o economista Jean Marc von der Weid, que foi eleito presidente da UNE em 1969. “Rapidamente a gente percebeu o potencial de mobilização para além da universidade — até porque o Edson Luís não era universitário, mas secundarista.”

          O Calabouço

          Edson Luís foi assassinado durante uma manifestação em frente ao Restaurante Central dos Estudantes, num prédio do centro do Rio de Janeiro (RJ). Conhecido como Calabouço, por ter abrigado escravos presos no Império, o enorme restaurante era uma espécie de patrimônio dos estudantes, custeado pelo Ministério da Educação (MEC). 

          “Aquela comida de bandejão era muito ruim. Mas havia uma coisa boa: aquela garotada pobre que circulava por ali, perto do centro da cidade, podia almoçar por um preço muito baixo, como se fosse um restaurante universitário, só que fora da universidade”, lembra, também ao MME, o jornalista Bernardo Joffily, ex-vice-presidente da Ubes (1968). “Uma pessoa se inscrevia lá, ganhava uma carteirinha e podia almoçar no Calabouço. Como juntava 10 mil estudantes por dia, inevitavelmente, se transformou num centro de efervescência estudantil.”

          De fato, o restaurante tinha fama de servir refeições horríveis, mas a preços extremamente baixos, “qualquer coisa assim como centavos”, segundo Bernardo Joffily. “Eram milhares de estudantes naquele galpão enorme — e, de repente, um estudante subia na cadeira e dizia: ‘Companheiros, acabo de descobrir uma barata aqui na sopa, no meu feijão, na minha bandeja’. E aí todo mundo batia com os garfos. Já era combinado, todo mundo já sabia, não precisava ninguém explicar. Todos batiam com os garfos nas bandejas, faziam aquela barulhada imensa em protesto contra a barata descoberta.”

          O Calabouço, de qualquer maneira, foi adotado pela estudantada. Para se ter uma ideia de sua importância, um grupo de frequentadores, liderado por Elianor Brito, criou a Feuc (Frente Unida dos Estudantes do Calabouço), com o objetivo de melhorar as condições de funcionamento do restaurante. No governo do general-presidente Costa e Silva (1967-1969), os subsídios do MEC para o projeto minguaram, a tal ponto que, em setembro de 1967, uma ampla reforma do Calabouço foi interrompida sem anúncio nem explicações.

          Além disso, os militares ameaçavam demolir o prédio para a construção de um viaduto. Em resposta, os estudantes realizaram vários protestos durante meses. Uma dessas manifestações ocorreu na noite de 28 de março de 1968, uma quinta-feira. Cerca de 600 estudantes discutiam os detalhes de uma passeata agendada para o dia seguinte, que reivindicaria melhorias para o Calabouço e o fim da ditadura. Mas a Polícia Militar (PM), avisada de antemão, cercou o restaurante em clima de guerra, imaginando que os manifestantes tacariam pedras na embaixada americana. 

          O massacre

          Com seis carros ao redor do local, os policiais já chegaram com cassetetes em mãos. “Vão lá e quebrem tudo”, tinha ordenado o tenente Alcindo Costa. De repente, começaram os tiros — o Calabouço era metralhado sem parar. “Ao lado do galpão do restaurante funciona o Instituto Cooperativa de Ensino, onde é ministrado um curso do artigo 99 (Madureza). No momento da invasão estava sendo dada aula de Geografia. O professor protestou e foi espancado pelos policiais”, registrou a Folha de S.Paulo.

          Uma bala perdida atingiu o comerciário Telmo Matos Henrique, que estava num prédio vizinho. Dois estudantes também foram atingidos — o próprio Edson Luís, no peito, e também Benedito Frasão Dutra, no braço e na cabeça. Dezenas de pessoas estavam feridas. Quando o massacre policial acabou, Edson Luís e Benedito foram levados à Santa Casa de Misericórdia, que ficava a três quarteirões de distância. Nenhum deles sobreviveu. 

          Benedito foi internado em estado grave, permaneceu em coma na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e morreu no dia seguinte, aos 20 anos. Edson Luís chegou ao hospital já sem vida, vítima de um tiro à queima-roupa, que saiu da arma calibre 45 do comandante da tropa, aspirante a PM Aloísio Raposo. Um assassinato com a marca da covardia contra um jovem e indefeso estudante.

          Em O Poder Jovem, Arthur Poerner descreveu o secundarista morto, filho de uma lavadeira, como “um menino ainda — completara 18 anos em 20 de fevereiro —, parecia baixinho, a pele morena e os cabelos bem pretos e lisos de caboclo nortista. Os dentes — tinha-os estragado, como a maioria dos jovens do nosso país. Órfão de pai, viera, havia três meses, de Belém do Pará, para cursar o artigo 99 do 1º ciclo (uma espécie de supletivo) no Instituto Cooperativo de Ensino, anexo do Calabouço, onde passava a maior parte do dia, inclusive auxiliando em serviços burocráticos de secretaria e de limpeza do estabelecimento, pois não conseguira emprego”. 

          Edson, segundo Bernardo Joffily, “era uma pessoa meio que adotada pelo movimento. Não era uma liderança, mas uma pessoa muito querida. Foi morto porque estava numa passeata contra o fechamento de um restaurante estudantil — essa é a moral da história”.

          O Rio vela Edson Luís

          Os estudantes que esperavam na Santa Casa decidiram sair com o corpo de Edson Luís pelas ruas e denunciar o crime — mais um — cometido pela ditadura contra o movimento estudantil. O povo se sensibilizou de imediato, segundo Jean Marc von der Weid: “A mobilização que se fez em torno disso, se fez dirigida para a classe média da Zona Sul. Fui eu que inventei a fórmula de parar os espetáculos em todos os teatros da Zona Sul para fazer a denúncia do assassinato do Edson Luís. Parei pessoalmente seis teatros e alguns cinemas. No começo, fazíamos com certa hesitação, mas depois fomos adquirindo confiança e as pessoas aderiam. Claro, havia sempre um sujeito que exigia o seu dinheiro de volta, brigava”.

          Uma desses acontecimentos foi marcante para o ex-dirigente estudantil. “Uma vez, quando a gente paralisou o Teatro Princesa Isabel, um coronel se levantou e disse que prenderia a gente. O público vaiou. A peça Roda Viva estava sendo apresentada nesse dia, e eu comecei a fazer uma denúncia dramática do assassinato do Edson Luís. De repente, Marieta Severo explode em soluços ao meu lado”, detalha Von der Weid. 

          O corpo do estudante morto foi conduzido até a antiga sede da Assembleia Legislativa da Guanabara, na Cinelândia. Impedidos pela multidão de entrarem, agentes da PM e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) ameaçavam lançar bombas de gás. Faltou-lhes coragem. Nas ruas, a mobilização e os protestos continuavam. O governador Negrão de Lima mandou soltar os 14 estudantes presos na passeata e suspendeu as aulas em todos os estabelecimentos de ensino. A essa altura, as inúmeras faculdades do Rio já estavam em greve.

          “As pessoas começaram a entrar noite adentro. Circulavam em bares da Zona Sul, faziam discurso e passavam o chapéu para recolher dinheiro para fazer o enterro do Edson Luís. Foi um agito generalizado”, diz Jean Marc. Segundo Bernardo, “a escadaria (da Assembleia) se transformou num palanque. As pessoas chegando, as escolas e faculdades fechando espontaneamente, e toda aquela massa de gente indo para a Cinelândia se somar ao velório”.

          Um ato contra a ditadura

          Dentro da Assembleia, o corpo de Edson foi posto sobre a Mesa Diretora e coberto pela bandeira nacional, por cartazes de protesto e por um caderno do próprio estudante. Dois médicos fizeram então a autópsia, acompanhados do secretário estadual de Saúde. Lideranças de diversas entidades clandestinas discursavam. Ao lado do caixão, proliferavam faixas com palavras-de-ordem, como “Assassinaram um estudante. Poderia ser seu filho” e “Brasil, seus filhos morrem por você”. 

          Segundo o jornal O Dia, “até às 15 horas, os estudantes haviam recebido, de donativos, três mil cruzeiros novos, que se destinarão à construção de uma estátua, em homenagem ao morto, em frente ao Restaurante Central dos Estudantes. O restante, segundo ficou deliberado, seria enviado à família do estudante, em Belém do Pará e custearia os funerais, pois foi recusado o oferecimento do governo estadual”.

          Ao fim da tarde de 29 de março, assistiu-se a uma das maiores mobilizações da história do Brasil até então. Milhares de pessoas faziam fila para velar o corpo de Edson Luís. Artistas, sindicalistas e intelectuais compareciam. Na presença de ao menos 60 mil pessoas, o corpo de Edson Luís fez seu último trajeto. “Coberto pela bandeira nacional, o caixão desceu as escadarias da Assembleia sob os acenos de milhares de lenços. O povo entoava o Hino Nacional. Do alto dos edifícios caíam pétalas de flores e papéis picados. A multidão gritava ‘Desce! Desce’ para que os que, nas janelas, se limitavam a içar bandeiras negras. Muitos desciam e se integravam ao acompanhamento”.

          Foram mais de três horas de um cortejo inesquecível até o Cemitério São João Batista. Anoitecia e, para ofuscar o protesto, autoridades deixaram de acionar parte da iluminação pública. De nada adiantou. Velas e lanternas carregadas pelas pessoas iluminavam a passeata. “A gente parou em frente ao prédio da UNE para fazer uma reverência. O prédio da UNE, que tinha sido fechado pela ditadura e não estava funcionando. Foi um dos momentos mais emocionantes. Lembro também que já estava escurecendo e algum dono de mercearia teve a ideia de doar todo o estoque de velas que ele tinha”, afirma Bernardo.

          Jean Marc agrega: “A manifestação no enterro do estudante foi absolutamente monumental. Há quem fale de cem mil na manifestação posterior. Certamente não havia cem mil. Mas no enterro, sim. Foi uma imensa manifestação, com um itinerário enorme, do centro da cidade até o Cemitério São João Batista, com muita mobilização de gente. Foi um marco. O ano político começou com esse fato”. 

          De acordo com Bernardo, Edson Luís “não foi o primeiro morto da ditadura militar, mas foi, digamos assim, o primeiro morto público da ditadura militar. Eu acredito que, naquele dia, o Brasil aprendeu melhor o que era o regime”. Para Artur Poerner, “foi o momento de apogeu do movimento estudantil. Os estudantes eram, naquele momento, a vanguarda da resistência à ditadura militar”.

          A missa

          O impacto do cruel assassinato de Edson Luís se estendeu e irritou os militares. Manifestações contra a ditadura se alastraram, culminando com os protestos de 1º de abril, no aniversário de quatro anos do Golpe de 1964. A polícia, orientada a descer o pau, foi ao ataque e deixou dois mortos (sendo um estudante), 60 feridos e 321 presos só no Rio de Janeiro. Tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ocuparam a cidade. A Universidade de Brasília foi ocupada por estudantes. Houve atos também em Goiás e em São Paulo, onde 4 mil estudantes se reuniram na Faculdade de Medicina da USP.

          Em 4 de abril, o Exército escalou seus milicos em vários cantos do Rio de Janeiro para “prevenir distúrbios”. Mesmo assim, centenas de pessoas se achegaram pela manhã à Igreja de Nossa Senhora da Candelária, no centro carioca, para celebrar a missa de sétimo dia de Edson Luís. Foi outro pretexto para a violência do regime se deitar sobre uma massa indefesa de pessoas. A cavalaria da PM invadiu a igreja, e os agentes encheram estudantes e religiosos de golpes de sabre.

          Chocado com a perversidade do regime, o vigário-geral dom José de Castro Pinto desobedeceu às ordens dos militares. No mesmo dia, à noite, ele realizou outra missa, desta vez para 600 pessoas. Na saída, os padres escoltaram os presentes até a Avenida Rio Branco. Foi depois desse ponto que a truculência da manhã ressurgiu, ainda mais grave, com direito a rajadas de metralhadora e bombas de gás. Até os fuzileiros navais foram convocados para liquidar a celebração a Edson Luís. Por sorte, não houve mortes — apenas feridos. Duas semanas depois, os militares proibiram eleições em 68 municípios, considerados “áreas de segurança nacional”.

          No “calor da hora”, a Ubes realizou, de 21 a 24 de abril de 1968, o 20º Congresso Nacional dos Estudantes Secundários, em Belo Horizonte. Cerca de 140 delegados compareceram ao encontro, que prestou homenagem a Edson Luis e também ao guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara, líder da Revolução Cubana (1959), morto pelo Exército boliviano em outubro de 1967. A nova diretoria foi encabeçada pelo pernambucano Marcos Antonio Machado de Mello e por seu vice, o próprio Bernardo Joffily. Nenhum deles poderia imaginar que a repressão daqueles dias seria ainda mais intensificada – e faria outros tantos mártires do movimento estudantil como Edson Luís.

          André Cintra, jornalista, é membro da direção municipal do PCdoB de São Paulo (SP). Raisa Marques é mestranda em História do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira. Foi membro da diretoria executiva da Ubes por duas gestões