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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Lívia Maria Xerez de Azevedo: Não nos calaremos


  

- Sabe, mulher, respirei fundo e nem acreditei que estava acontecendo comigo.

- Depois de um dia de trabalho, faculdade e dois ônibus, realmente, é tudo o que você não precisa.

- Já ando preparada com uma sandália baixa na bolsa pra correr da parada até a minha casa... Morro de medo de estupro. E no ônibus parece que é pior, né? Ninguém tem nem pra onde correr.

- Uma vez eu fiquei paralisada, mas agora, se isso acontecer, eu faço é um escândalo.

Presenciei esse diálogo na manhã do último dia 30 de novembro, no interior de um coletivo da linha Cuca Barra/Parangaba. Duas jovens discutiam a violência sexual que diariamente acontece nos ônibus de Fortaleza. Quase um desabafo, uma confidência sobre a violência nossa de cada dia. Eu, no banco de trás, apoiei a cabeça na mochila para ficar mais próxima e estirei os ouvidos. Uma tentativa de audição de quem busca elementos para construir/efetivar políticas públicas para a igualdade de gênero sim, mas, principalmente, numa sororidade atenta e reflexiva. Um paradoxal barulho silencioso. Após alguns minutos, encostei novamente no banco e pensei: - É, meninas, eu já passei por isso também.

Levantei a cabeça e percebi que a conversa foi motivada por um cartaz com os dizeres “O espaço é público, meu corpo não”. A peça integra a campanha contra o abuso sexual de mulheres no transporte coletivo de Fortaleza, realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Governo do Estado do Ceará, Conselho Cearense dos Direitos da Mulher e muitas outras entidades. Essa pluralidade de instituições certamente fez toda a diferença para que a iniciativa, lançada no dia anterior, pudesse chegar a tantas pessoas em um curto espaço de tempo e, principalmente, provocar debates e (des)construções tão necessárias. Um dia, quatro ônibus, quatro cartazes, inúmeras inquietações. Ponto pro diálogo, ponto pra articulação.

Estamos na efervescência dos “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”, uma mobilização mundial que acontece de 20 de novembro a 10 de dezembro justamente para dar visibilidade às opressões que enfrentamos e às resistências que tecemos todos os dias. Apesar dos nossos esforços para dar repercussão a esse período, é possível que as jovens mulheres do “Cuca Barra - 070” nem soubessem da campanha e do calendário de atividades em execução, mas são protagonistas do esforço que fazemos todos os dias para que a sociedade entenda nosso direito de ir e vir, de viver a cidade livres e sem medo.

Às jovens passageiras do Cuca Barra/Parangaba. Por elas. Por mim. Por nós. Elas, agora, não calarão. Nós não calaremos.


*Lívia Maria Xerez de Azevedo coordena o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado e integra o Conselho Cearense dos Direitos das Mulheres (CCDM)


Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.




Fonte: O Povo

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