Tomás Rigoletto Pernías e Denis Maracci Gimenez Publicado em 24.08.2017
O Governo do Presidente Michel Temer
rompeu com a política de valorização do salário mínimo. Tomado pela
desorientação do fundamentalismo fiscal expresso na abstrata tese da
“austeridade”, o governo Federal determinou que o valor do reajuste do
salário mínimo para 2017 ficará R$ 10 abaixo do previsto (R$ 979) pela
Lei das Diretrizes orçamentárias – sancionada pelo próprio Presidente
Temer.
Na França dos anos 50, as campanhas eleitorais foram marcadas
pela discussão sobre a pobreza da classe trabalhadora, da existência de
“duas Franças”, de um lado uma França moderna, fruto do esforço de
reconstrução do país, de outro, a França mergulhada na pobreza, herdada
em grande medida do entre-guerras. É nesse cenário de discussão que são
criados e/ou fortalecidos diversos fundos sociais, de amparo ao
desemprego, de aposentadoria, de solidariedade, que passam a compor a
crescente malha de proteção social naquele país, e ademais, é também
nesse momento, em fevereiro de 1950, que é estabelecido o Salário Mínimo
Interprofissional (SMI). A fixação do SMI resultou da necessidade do
estabelecimento de um limite mínimo de remuneração que garantisse aos
assalariados um padrão de vida digno. O estabelecimento desse padrão de
remuneração mínima, tão evidentemente necessário às pretensões de
combate à desigualdade, resultou basicamente de duas propostas, cujas
denominações são exemplares para identificar a importância da fixação de
um padrão salarial mínimo: uma proposta feita pelos sindicatos,
denominada “salário mínimo vital para a civilização” e uma proposta
patronal, de um “salário mínimo de garantia física do indivíduo”. A
partir do estabelecimento do SMI, a pressão política para a adoção de
uma política de promoção dos salários de base por meio de reajustes
reais permanentes do salário mínimo foi uma bandeira dos movimentos
sociais franceses. Em 1970, institui-se o Salário Mínimo
Interprofissional de Crescimento (SMIC), outra etapa dessa política, que
previa uma elevação real obrigatória a cada ano, que não poderia ser
inferior à metade do crescimento da renda nacional. O objetivo aqui era
claro para os franceses, qual seja, diminuir a distância entre a média
salarial e o valor do SMIC.
Na Inglaterra, a aprovação no Parlamento do Wages Councils Act em
1945, fundou a moderna política salarial instituída no pós-guerra. Tal
instituição assumiu não só papel relevante na política salarial inglesa,
mas na definição de outros itens da cesta de remunerações e proteção
social, como férias e horas-extras, entre outros. Ao contrário da
França, não se institucionalizou o salário mínimo, sendo que o suporte
de um padrão mínimo de rendimentos na Inglaterra foi consolidado através
de um conjunto de mecanismos de garantia de renda, com especial atenção
para os trabalhadores de base. O estímulo aos acordos coletivos foi
outra maneira que a política governamental inglesa encontrou para
determinar um padrão salarial mais homogêneo. A responsabilidade estatal
para a consolidação de uma estrutura de salários mais homogênea
convergiu para a proteção e promoção dos salários dos trabalhadores de
mais baixa qualificação e fraca organização sindical por meio dos
acordos coletivos de trabalho, conjuntamente, conforme destaca Lord
Beveridge, a ampliação dos mecanismos de proteção social e de garantia
de renda.
A experiência italiana de promoção dos salários de base, sem contar
com o estatuto do salário mínimo, foi amparada num complexo sistema de
intervenção sindical e estatal no mercado de trabalho. Seus principais
instrumentos foram as garantias constitucionais que estabelecem proteção
básica aos assalariados por meio de políticas sociais, um poderoso
sistema de contratação coletiva centralizada, que fixa valores mínimos
de remuneração por categorias, a indexação salarial, além da
institucionalização do “mínimo social de desocupação”.
Na verdade, o que observamos não somente nesses países, mas em outras
experiências nacionais bem-sucedidas de redução das desigualdades entre
os rendimentos e de maior homogeneização da estrutura salarial, é que
as políticas de proteção e promoção dos salários de base, em suas
diversas variantes nacionais, cumpriram historicamente, e ainda cumprem,
um papel central na construção de sociedades mais igualitárias. É
inequívoca sua importância nesses países na redução das diferenças no
interior da estrutura salarial e na promoção de maior justiça social.
No Brasil, a ideia da fixação de uma política de salário mínimo
remonta à década de 1930, no primeiro governo de Getúlio Vargas. No
escopo da política trabalhista de Vargas, afirmava-se categoricamente
que a fixação do salário mínimo tinha por objetivo essencial, corrigir
as injustiças promovidas pelo desenvolvimento industrial numa sociedade
com as características da sociedade brasileira. Essa fixação era vista
como uma forma de proteger os trabalhadores de base dos limites da
pauperização, independentemente das condições desfavoráveis imposta pela
dinâmica econômica e do mercado de trabalho nacional.
Desde lá, a fixação do salário mínimo no Brasil foi capitaneada pelo
princípio norteador de um salário mínimo “tipo suficiência”, que
possibilitasse o atendimento das necessidades básicas dos trabalhadores.
Em torno dele, criou-se a “Comissão do Salário Mínimo”, tripartite, com
representantes do governo, dos trabalhadores e do empresariado,
responsável pela fixação do valor do mínimo e de seus reajustes. Numa
primeira fase histórica da política do salário mínimo no Brasil, seus
princípios fundantes foram predominantes. Sob o reformismo conservador
posterior ao Golpe Militar de 1964, foram abandonados tais princípios, e
o que se assistiu foram progressivas contestações quanto a efetividade
deste tipo de política no Brasil, em meio a adoção de políticas
salariais restritivas.
O resultado dessa reconversão foi uma grande deterioração do valor
real do salário mínimo a partir do início dos anos 60. Ao longo do
“Milagre” e durante a década de 1970, com forte crescimento econômico e
extraordinário dinamismo do mercado de trabalho, ganham importância as
teses que descaracterizam a importância do salário mínimo como elemento
de estruturação dos níveis de remuneração dos trabalhadores com baixa
qualificação, a partir da observação de que os salários de base haviam
descolados do valor do salário mínimo. Se por um lado, a importância do
salário mínimo é questionada alegando-se o descolamento da base salarial
do valor definido como mínimo nos anos 60 e 70, outros argumentos
contrários a uma política ativa de salário mínimo se somam no decorrer
dessas décadas e que ainda hoje permanecem presentes nas discussões
sobre o tema.
Um desses argumentos diz respeito à possibilidade de que uma política
altista de salário mínimo pode produzir inflação, o que transformaria
os aumentos concedidos apenas em aumentos nominais. Com efeito, outro
argumento recorrente aponta que tal política poderia conduzir também a
um aumento da informalidade, na medida em que, principalmente os setores
menos organizados da economia, teriam enormes dificuldades em
acompanhar o comportamento do salário mínimo.
O complemento desses argumentos afirma um certo apego ideológico que
superestima a capacidade do salário mínimo como uma política de amparo
as classes de baixa renda e de combate à pobreza. Aqui, os pressupostos
são de que os salários são determinados pela oferta e demanda de
mão-de-obra no interior do mercado de trabalho e de que a renda média do
setor informal, e não a política governamental, determina a taxa de
salários das atividades “formais” capitalistas.
Posições contrárias a essas hipóteses, onde destacamos o importante
trabalho do Prof. Paulo Renato Costa Souza, “A determinação dos salários
e do emprego nas economias atrasadas”[i], afirmam que o salário mínimo é
uma referência, “um farol”, importante tanto para as grandes empresas
como para os trabalhadores autônomos, pouco ou nada qualificados. Por um
lado, observa-se que, em geral, as grandes empresas que formam o núcleo
capitalista organizado, cumprem o salário mínimo vigente estabelecido
pelo governo, enquanto que para os trabalhadores autônomos é uma
referência na fixação dos preços de seus serviços. O que está colocado
de forma subjacente, é que a determinação da taxa de salários nas
economias capitalistas é dada pelos setores mais organizados, assim como
a dinâmica econômica mais geral de determinação do emprego e da renda.
Partindo dessas ideias, podemos compreender como o processo de
abertura do leque salarial a partir de 1964 é uma marca do mercado de
trabalho no Brasil. Diante da passividade da política de salário mínimo,
de sua diminuição em termos reais, alteramos para baixo os salários de
base nos setores mais organizados e sinalizamos aos autônomos esse mesmo
sentido. Não obstante, tendo o salário mínimo em queda, em muitos
momentos, em particular nos períodos de crescimento mais acelerado no
final dos anos 60 e durante os anos 70, os salários médios subiram. Esse
é outro argumento quanto à perda de importância do salário mínimo na
determinação da estrutura salarial, já que se afirma, novamente, o
descolamento dos salários de base do salário mínimo. Contrariamente a
essa posição, algumas reflexões sobre esse fenômeno, e aqui novamente
destacamos as reflexões do Prof. Paulo Renato, afirmam que esse processo
demonstra um dramático quadro de crescimento das desigualdades entre os
rendimentos, já que se os salários de base caem em termos reais, o
crescimento da média salarial ocorre puxado pelos salários médios e mais
elevados, caracterizando um quadro evidente de abertura do leque
salarial.
A partir do Plano Real, há um claro movimento de recuperação do poder
de compra do salário mínimo no Brasil, mesmo com a economia brasileira
crescendo lentamente durante os dois mandatos do Presidente Fernando
Henrique Cardoso. Num período de crescimento econômico mais robusto e de
forte dinamismo do mercado de trabalho, essa recuperação acelerou-se
sobremaneira ao longo dos mandados do Presidente Lula e depois da
Presidente Dilma Roussef, com a definição clara de uma política de
valorização do salário mínimo.
Uma melhora importante do salário mínimo neste período, mas o que
significa tal valorização num país como o Brasil? Os dados do Relatório
Global sobre Salários da OIT, ainda para o biênio 2010-2011 permitem
termos ideia. Em 2011, em dólar, em paridade de poder de compra,
tínhamos um salário mínimo no Brasil de 286 dólares. Isto significa
dizer que tínhamos um salário mínimo que era 50% do salário mínimo
paraguaio, 40% do venezuelano, 31% do argentino, 1/3 do espanhol e 22%
do norte-americano. Significa dizer que com toda valorização do salário
mínimo no Brasil desde 1995, ele entra pela segunda década dos anos 2000
ainda muito baixo. Melhorou, mas o que permanece como característica
fundamental é que temos um mercado de trabalho estruturado em cima de
baixos salários, onde o salário mínimo é a sua grande representação.
Diante de tais condições, o Governo do Presidente Michel Temer rompeu
com a política de valorização do salário mínimo. Tomado pela
desorientação do fundamentalismo fiscal expresso na abstrata tese da
“austeridade”, o governo Federal determinou que o valor do reajuste do
salário mínimo para 2017 ficará R$ 10 abaixo do previsto (R$ 979) pela
Lei das Diretrizes orçamentárias – sancionada pelo próprio Presidente
Temer.
Com essa decisão, se abandona uma valiosa oportunidade para perseguir
a implementação de uma política pública que se mostrou eficaz desde
meados dos anos 1990: a elevação do salário mínimo. Se perde, ademais, a
chance de transferir mais recursos monetários a uma camada da população
que possui graves carências materiais e alta propensão ao consumo: a
massa trabalhadora desqualificada. Na presente catástrofe econômica, em
que as empresas não estão dispostas a investir, desempregados se veem
impossibilitados de consumir e as exportações estão longe de deslanchar,
os estímulos ao crescimento econômico se encontram ausentes.
Em situações de profundo desalento econômico, como o cenário
hodierno, o gasto público e a própria sustentação dos salários de base
funcionam como estabilizadores automáticos da renda. Com efeito, o
salário mínimo, delimita o piso remuneratório, apoiado em critérios de
justiça social, retirando do espaço da concorrência empresarial a
determinação de um valor mínimo para o trabalho. [ii]
Importa ter presente que o salário mínimo é uma intervenção pública
deliberada no mercado de trabalho, cujo objetivo repousa em assegurar a
todo trabalhador brasileiro um limite mínimo de renda. Trata-se de fixar
um patamar para as negociações de compra e venda da força de trabalho
no Brasil: um método eficaz para contrabalancear a profunda assimetria
de poder existente no mercado de trabalho.
O gráfico abaixo, sobre a evolução do salário mínimo real e a taxa de
desemprego nas regiões metropolitanas, demonstra o movimento de
valorização que pôde ser observado nos anos 2000, até os dias atuais.
Gráfico: Evolução do salário mínimo real e do desemprego: 2003-2017[iii]
Fonte: IBGE/PME; IPEA DATA
Observa-se que uma valorização significativa do salário mínimo nos
anos 2000 ocorreu em concomitância com uma queda vigorosa da taxa de
desemprego. Assim, é obrigatório salientar que não há, ao contrário do
que alguns economistas sugerem, uma incompatibilidade entre a elevação
do salário mínimo e baixos índices de desemprego. Em verdade, os dados e
a literatura recente[iv] indicam justamente o contrário: a elevação do
salário mínimo tem efeito sobre o nível de demanda por bens e serviços, o
que representa um estímulo ao investimento e à geração de emprego. Ao
mesmo tempo, o salário mínimo é um pilar da política social no Brasil,
atuando também por esse lado, como estabilizador automático da renda e
mecanismo de proteção social.
Por certo, uma política mais vigorosa de promoção dos salários de
base e particularmente do salário mínimo, somente será sustentada com a
retomada do crescimento econômico. Isso não depende do mercado de
trabalho, tampouco do comportamento do salário mínimo. Portanto,
reformas sobre o mercado de trabalho ou a contenção do salário mínimo em
prol de um abstrato e inexequível “ajuste fiscal” por meio de corte de
gastos, não trará o crescimento de volta, apenas aumentará o sofrimento
dos brasileiros.
Tomás Rigoletto Pernías é doutorando em Desenvolvimento Econômico
pelo Instituo de Economia da Unicamp; e Denis Maracci Gimenez, professor
do instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do CESIT
[i] Souza, Paulo Renato Costa. A determinação dos salários e do emprego nas economias atrasadas. Campinas: IFCH/UNICAMP (tese de doutorado) [s.n.], 1980. 190p.
[ii] Ver mais em MEDEIROS, C. A. Salário mínimo e Desenvolvimento
Econômico. In: BALTAR, P; DEDECCA, C; KREIN, J. D. (Org.) Salário mínimo
e desenvolvimento. Campinas/SP. IE/UNICAMP. 2005.
[iii] Os dados referentes ao desemprego (PME) dizem respeito ao
primeiro mês (Janeiro) de cada ano observado. Para o salário mínimo:
Série em reais (R$) constantes do último mês (07/2017), elaborada pelo
IPEA, deflacionando-se o salário mínimo nominal pelo Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE.
[iv] Ver mais em MEDEIROS, C. A Influência do salário mínimo sobre a
taxa de salários no Brasil na última década. In: Economia e Sociedade,
Campinas, v. 24, n. 2 (54), p. 263-292, ago. 2015
Fonte: http://www.grabois.org.br/portal/artigos/153833/2017-08-24/dez-reais-e-a-valorizacao-do-salario-minimo-no-brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário