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28.08.2017
por
Márcia Feitosa - Editora
Era o fim da tarde de 19 de agosto quando mais um avião do tráfico
pousava no Ceará. Pilotado por Júlio César Arraes Vieira Filho, 35, o
monomotor de prefixo PU-MJU, adquirido recentemente pelo suspeito,
aterrissou no Aeroporto de Camocim reafirmando que o Ceará faz parte de
uma rota aérea de tráfico de drogas, com conexões internacionais. Na
aeronave havia uma mala com 26 tabletes de cocaína, pesando cerca de um
quilo cada. A droga foi apreendida pela PM, que havia recebido
informações do Núcleo de Inteligência da Polícia Federal (PF) sobre o
pouso.O delegado federal Yuri de Santana disse acreditar que a aeronave já havia entregado parte da cocaína, durante o trajeto Foto: Natinho Rodrigues
Júlio César Filho é analista de sistemas e sócio de uma empresa de
informática. Piloto com licença concedida no ano de 2012, ele também é
estudante de Direito, na Cidade de Colinas do Tocantins. Decolou da
Região Norte para fazer a entrega da droga trazendo a namorada e o filho
dela, de dois anos e meio. Segundo o próprio suspeito, a advogada Innis
Rosa de Castro Faria, 29, não sabia da cocaína.
Os dois foram conduzidos até a Superintendência Regional da Polícia
Federal, em Fortaleza. Innis Faria confirmou que não sabia que havia
droga na aeronave e foi liberada. Porém, a participação dela no caso não
é descartada, conforme o delegado federal Yuri Dantas de Santana,
titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE).A mulher, que se disse professora universitária e funcionária pública, contou que havia sido convidada pelo namorado para ir à Praia de Canoa Quebrada, em Aracati. Júlio César Filho afirmou que tinha planejado uma viagem para uma praia com Innis Faria e o filho dela e resolveu conciliar as duas demandas, mas não sabia que levava droga. "Ele pode tê-la utilizado para despistar a Polícia. Está sendo investigado se ela, de fato, sabia", afirmou Yuri Santana.
Como justificativa para não saber o conteúdo da mala, o piloto disse que trabalhava para funcionários de um garimpo e teria sido procurado por essas pessoas para realizar um frete. "Ele afirmou que teria se negado e dito que não fazia viagens para esta região, mas foi forçado e ameaçado. A pessoa teria dito que não era um pedido e retirado de um envelope fotos dos filhos dele para chantageá-lo. Conta que lhe disseram que tinha ouro na mala. A Polícia não acredita na versão dele. "Dificilmente ele não sabia o que estava acontecendo", revelou Santana.
A respeito dos 26Kg de cocaína que o avião transportava, o investigador lembra que não é usual e diz acreditar que já tinham sido feitas outras entregas no trajeto. "Não é comum utilizar um avião, que é um meio de transporte caro, para transportar essa quantidade de droga. Tudo que ele trazia cabia em uma mala. Imagina-se que outra parte da cocaína já tivesse sido entregue em outros lugares. Pode até ter sido em outro Estado", disse o titular da DRE.
Os caminhos
Júlio César Filho declarou, em depoimento à PF, que partiu do Estado do Tocantins; fez uma parada na cidade de Timon, no Estado do Maranhão; parou novamente em Camocim e teria como destino final Aracati.
Em outras apreensões de aeronaves realizadas no Ceará, já havia sido elucidado que os aviões de pequeno porte, geralmente, decolam de estados da Região Norte ou Centro Oeste trazendo drogas dos países produtores vizinhos, principalmente Paraguai e Bolívia.
Utilizando métodos parecidos com os dos outros pilotos que acabaram presos com cocaína aqui (em Canindé e Pedra Branca), Júlio César voava mais baixo que o recomendado, para não ser flagrado pelos radares.
Yuri Santana diz que, provavelmente, a cocaína pertencia a pessoas ligadas a uma facção criminosa. "O tráfico é estruturado como qualquer outro negócio. A diferença é que é ilegal e você precisa fugir, mas a parte financeira segue a mesma lógica. Essas pessoas geralmente têm ligações com facções", afirmou.
Líderes
De 2016 até agora, pessoas com poder em todas as grandes facções brasileiras foram localizadas no Ceará. Em março de 2016, Alejandro Camacho, irmão do líder do PCC, 'Marcola', foi preso pela PF; em abril de 2017, Vainer de Matos Magalhães, o 'Pepê', gerente da Família do Norte (FDN), foi morto na Avenida Santos Dumont; em maio de 2017, o braço-direito do líder do Comando Vermelho, 'Fernandinho Beira-Mar', foi preso pela PF; em julho, Francisco Magno da Silva, líder da facção Sindicato do Crime foi preso pela Polícia Civil do Ceará.
"Não saberia responder porque o Ceará. Acho que é um bom mercado e uma posição estratégica no Nordeste. Mas merece atenção a vinda dessas pessoas para cá. As duas maiores facções mandaram gente do alto escalão para se estabelecer aqui. Isso é sintomático, não pode ser coincidência", afirmou Santana.
Questionado se o assassinato de Jorge Rafaat Toumani, o 'Rei da Fronteira' Brasil/Paraguai e a ofensiva do Primeiro Comando da Capital (PCC) para dominar o Paraguai interferem no fluxo de armas e drogas entre os dois países, Yuri Santana disse que há influência. "Estes movimentos causam uma repercussão na entrada da droga no Brasil, porque ela é facilitada. Antes eles precisavam comprar de alguém e agora a própria facção pode fornecer", pontuou o delegado.
Transporte aéreo de cocaína não havia parado
Mesmo com a prisão, em setembro de 2015, de uma das principais organizações criminosas que atuavam no tráfico de drogas no Ceará e realizava o transporte aéreo de cocaína, este tipo de operação não teria cessado, conforme o delegado federal Yuri de Santana. Segundo ele, não terem acontecido apreensões de aeronaves nos últimos dois anos no Estado não significa que as quadrilhas tivessem parado de investir neste transporte."O transporte aéreo não cessou. As principais rotas são as mesmas. É muito difícil conseguir identificar esses aviões. Era preciso ter um sistema de radar aqui no Estado para conseguir identificar todas os aeronaves que entram. Nem usando outras aeronaves no patrulhamento seria possível fiscalizar tudo, porque o espaço é enorme", explicou o titular da DRE.
Segundo Santana, é prematuro afirmar que há uma relação entre este e os aviões apreendidos anteriormente, mas é possível que exista alguma ligação. "Acredito em uma relação. Há elementos que apontam para uma ligação deste caso com pessoas que estavam envolvidas com outros aviões e carregamentos apreendidos".
'Cardume'
Em setembro de 2015, a Polícia Federal deflagrou a 'Operação Cardume', que desarticulou a organização criminosa que estaria por trás dos dois carregamentos de droga que foram apreendidos no Estado, em monomotores, naquele ano. A quadrilha chegou a movimentar 300Kg de cocaína e R$ 6 milhões por mês.
O bando era dividido em núcleos e conseguia negociar a cocaína com traficantes da Bolívia, distribuir a droga e lavar o dinheiro conseguido no mercado legal dos estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Os 26 réus presos na operação aguardam julgamento. O processo que tramita na Justiça Federal do Ceará está concluso para sentença desde junho deste ano.
Paulo Diego Silva Araújo, um dos líderes da organização, que era custodiado na Penitenciária Federal de Porto Velho, retornou ao Ceará e atualmente está em uma penitenciária comum.
Fonte: Diário do Nordeste
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