“Falta de atratividade das universidades públicas paulistas poderia provocar uma eventual perda de excelência e um desmonte de grupos de pesquisa”, diz Marcelo Knobel
Graças a uma liminar de Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, houve mudança nos rendimentos de professores do ensino superior. Docentes universitários da rede estadual passam a ter um teto salarial equivalente ao de um professor de universidade federal. Em entrevista à Época, o argentino Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, elogia a decisão. Segundo ele – que também é presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) –, “estava havendo uma fuga de cérebros”.
Época: Uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, equiparou o salário dos professores universitários estaduais ao dos docentes das universidades federais. Qual o impacto dessa decisão?
Marcelo Knobel: É uma decisão muito acertada porque estamos em um momento crucial para as universidades – e falo principalmente em relação às universidades públicas do estado de São Paulo. O teto que estava sendo aplicado aqui, um dos mais baixos do Brasil, levava a uma situação que, em um curto espaço de tempo, se tornaria insustentável. Estava havendo uma fuga de cérebros. A falta de atratividade das universidades públicas paulistas em comparação com as federais e com as privadas poderia provocar uma eventual perda de excelência e um desmonte de grupos de pesquisa.
Época: Na prática, o que muda com a equiparação salarial, não só em relação à carreira do professor, mas também no orçamento das universidades?
MK: Não é uma equiparação salarial. Cada universidade continua com sua carreira inalterada. O que foi alterado é o valor do teto de pagamento de salários para os professores e pesquisadores. Parece um detalhe, mas é fundamental. A gente continua com a mesma carreira, e essa medida valoriza justamente as carreiras nas universidades estaduais. Do ponto de vista prático, vamos deixar de cortar salários de pessoas que dedicaram sua vida à universidade pública, sendo essa sua única atividade.
Época: Há como equilibrar a valorização profissional do professor de outra forma que não seja por meio de aumento de salário?
MK: Temos muitos aspectos – e é justamente por isso que a própria Constituição e todos os documentos oficiais falam de um sistema nacional de ciência, tecnologia, inovação e educação superior. A gente tem muita desigualdade regional em nosso país, seja do ponto de vista das carreiras ou da infraestrutura de pesquisa. Certamente temos muito para avançar no que se refere a condições de trabalho e atratividade na carreira de professor universitário no país.
Época: Na última tabela disponível para consulta, as três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) informaram que o gasto com a folha de pagamentos foi, em média, 88% do orçamento de novembro do ano passado. A conta vai fechar diante da decisão do STF?
MK: Vai fechar, sem dúvida. As administrações das três universidades estaduais públicas de São Paulo estão fazendo um trabalho muito sério de equilíbrio orçamentário, controle de gastos e aumento da receita. Essa questão está muito bem equacionada. Fizemos uma reunião no Cruesp (Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas), e o impacto será, em média, de 2,2% no orçamento diante da liminar. É perfeitamente absorvível. Ainda não temos o dado efetivo, apenas essa média, porque é muito difícil calcular. Há muitas variáveis, até mesmo a de como evoluirá a reforma da Previdência nos estados.
Época: As aposentadorias dos professores também são pagas pelas universidades, então muitos serão afetados pela liminar do STF. Deveria haver uma separação em relação ao pagamento dos professores ativos e inativos?
MK: A diferença é que os salários dos servidores são considerados, mas sem os encargos. Não deve haver separação. Estamos falando de pessoas que dedicaram sua vida por muitos anos para construir as melhores universidades públicas do país, com excelência no Brasil e na América Latina. Optaram por esse caminho porque no momento em que foram admitidas havia um contrato, uma carreira prevista.
Época: Os profissionais da academia relatam “fuga de cérebros” nas universidades diante de falta de perspectivas de carreira do professor, principalmente com o congelamento de salários. A decisão do STF muda o cenário? Em que sentido?
MK: Creio que sim. Havia muita gente se aposentando ou buscando trabalho em universidades privadas, ou no exterior, ou como consultor. Aposentado, o pagamento dele continuava, o que para a universidade é um fator muito ruim. Com a perspectiva de poder recuperar o salário, naturalmente a pessoa pensa duas vezes.
Época: O modelo de repasse de recursos às universidades, com autonomia financeira e de gestão, é o ideal?
MK: Sempre há aprimoramentos para fazer em qualquer modelo, porém esse é um modelo que se mostrou absolutamente vitorioso em São Paulo. É referência mundial. É um modelo em que as universidades têm o poder de planejar o futuro e de discutir internamente e externamente como os recursos serão priorizados. Os dados desses 30 anos de autonomia são impressionantes, tendo em vista a qualidade das pesquisas, a quantidade de atendimentos na área de saúde, na extensão e, principalmente, na formação de jovens universitários.
Época: O que falta para haver equilíbrio entre orçamento e educação universitária pública no Brasil? MK: A gente precisa rediscutir o sistema universitário público e privado como um todo. Ter boas universidades de pesquisa é algo que requer um investimento considerável do Estado. Por isso, precisamos de um modelo de diversificação maior no ensino superior. Poderíamos ter mais institutos só de pesquisa, mais universidades que sejam apenas de ensino, ou seja, universidades de classe mundial. Precisamos também massificar um pouco mais o ensino superior. Esse é um grande dilema que temos, pois apenas 17% dos jovens entre 18 e 24 anos estão no ensino superior. Temos um desafio imenso no sistema de educação brasileiro, e para fechar a conta precisamos discutir o sistema como um todo, e não medidas pontuais que não têm nenhuma conexão com a realidade.
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