Liderança passa pela 1ª vez de uma mulher negra para outra; nortista Bruna Brelaz termina o mandato que segue nas mãos da nordestina, ex-diretora de Comunicação da entidade
A pernambucana Manuella Mirella, 26 anos, estudante de Engenharia Ambiental da FMU e filha das políticas de acesso e democratização do ensino superior é a nova presidenta da UNE.
Ela foi eleita neste domingo no 59º Congresso da UNE, realizado em Brasília (DF) na presença de quase 15 mil estudantes na chapa ‘Coragem e unidade: nas ruas para reconstruir o Brasil’ que obteve 74,27% dos votos.
Pela primeira vez na história dos 85 anos da entidade, a liderança passa de uma mulher negra, a nortista Bruna Brelaz que encerrou sua gestão, para outra, a ex-diretora de Comunicação da entidade.
Natural de Olinda, criada no bairro de Maranguape I, uma das áreas mais pobres do município de Paulista, região metropolitana de Recife (PE), Manuella sempre estudou em escola pública.
“De onde eu vim a gente vira estatística, então estar na universidade já foi um grande passo. Estar na UNE foi uma linha fora da curva, por isso para mim é muito mais emocionante estar nesse espaço de presidência da UNE, para garantir que meninas como eu tenham essa oportunidade”, afirma.
E o plano dela para essa gestão é garantir que o caminho de outros estudantes como ela seja menos tortuoso. Manu quer ser lembrada como a presidenta que lutou para que o Plano Nacional de Assistência Estudantil vire lei. “Ninguém estuda com fome. Ninguém vai para a universidade a pé. Quando entrei na graduação eu pegava três ônibus para ir e três para voltar. Dentro da assistência a gente quer passe livre, a gente quer RU, a gente quer que o estudante tenha condições de permanecer, concluir e dar um retorno a sociedade. Quero que seja esse o nosso legado”.
Para Manu o orgulho de toda mãe de ter o filho formado foi subvertido há mais ou menos dois anos e as famílias têm sido obrigadas a pedir aos filhos que parem de estudar para arrumar um emprego, nem que seja entregar Ifood para ajudar a comprar comida. E o papel da UNE é construir uma universidade possível para essas pessoas.
“Porque não é só uma graduação, estamos falando dos quadros técnicos que vão formular a reconstrução da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. E não queremos um país pensado pela elite, por quem ganha um carro quando passa no vestibular, queremos um país reconstruído pelo povo brasileiro, e para isso ele precisa estar na escola e na universidade”.
Do Bolsa família às cotas
Na infância de escassez em Maranguape I, a escola pública garantia além do ensino também as refeições diárias. “Antes de receber a bolsa família a gente ia para escola para comer mesmo”, relembra.
Ela recorda a primeira vez que ouviu falar em Luiz Inácio Lula da Silva. “Minha mãe serviu o almoço e disse: só temos essa comida hoje por causa desse presidente”.
De uma família com três irmãos, o pai feirante e a mãe empregada doméstica sempre destacaram para os filhos, a educação, como a oportunidade de ser alguém na vida.
“Minha mãe falava que só a educação dignifica o homem. Ela saía de casa para trabalhar, deixava uma imagem e dizia que queria uma redação sobre aquela imagem quando voltasse. Era assim todo dia”.
Estudante da escola pública, boa aluna, passou na seleção do curso técnico em química do Senai e essa foi sua primeira formação. “Fazer um curso técnico assim como cursar a universidade é sempre a oportunidade de se formar melhor, de conseguir um trabalho melhor, e no fim ajudar em casa que era sempre o que minha mãe me falava”.
Filha das políticas de inclusão
Da formatura do Senai, Manu entrou em licenciatura em Química na UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) por meio da política de cotas. Filha da assistência estudantil, “cotista em todos os tipos de cotas”, como ela mesma destaca.
“Na minha vida eu nunca passei de primeira, eu fui sempre persistente, fui atrás”.
No segundo período da faculdade a mãe faleceu, arrimo de família assim como em muitos lares brasileiros, as dificuldades financeiras pioraram. “Passamos fome quando minha mãe morreu. Meu pai nunca mais foi o mesmo depois disso e eu ia largar a universidade”, relembra.
Foi quando conseguiu uma bolsa de assistência estudantil e moradia na Casa do Estudante. Assim como muitas da sua geração, Manu foi a primeira da família a entrar na universidade e a conquistar um diploma.
“Quando eu falo como as cotas e a assistência estudantil mudam vidas, é porque elas mudaram a minha. Foi a Casa do Estudante, a bolsa de 400 reais, o RU que me deram oportunidades e eu agarrei. Milhares de jovens hoje só precisam dessa oportunidade”.
Engajamento na Cultura e na UNE
Bolsista de assistência do PIBITI (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação), extensionista e monitora: a trajetória mostra uma estudante engajada com a universidade, que descobriu na aula de Química Orgânica 3, pela primeira vez, o movimento estudantil.
O ano era 2016 e o professor da disciplina não deixou o colega passar em sala de aula um recado sobre a construção de um festival de cultura na UFRPE, que o Circuito de Arte e Cultura da UNE (Cuca), iria promover. Ela foi atrás para saber mais e quis ajudar.
“O que me brilhou os olhos quando eu ouvi ele falar no festival, é porque eu vi que a gente poderia ter oportunidade de debater a universidade, dar a opinião de como deveriam ser as coisas dentro da instituição”.
Foi a participação no Cuca a porta de entrada para chegar na diretoria da UNE. “Todo mundo estranha uma estudante de química militar pela cultura. Eu acho que tem tudo a ver. É preciso muita imaginação para visualizar uma molécula”.
Diretora de Comunicação da última gestão, conversadeira, expansiva, Manu ama o carnaval, forró e nunca se nega a dar uma opinião. “Adoro me divertir, adoro música, calourada, mas a coisa que eu mais gosto é do carnaval, que para mim é a expressão cultural mais importante do Brasil”.
Da Química para Engenharia Ambiental
Da formação em técnica em Química surgiu a paixão pelos biocombustíveis e ela quis se aprofundar.
“Eu vi o que estava acontecendo com o mundo e com o meio ambiente e vi a oportunidade de fazer algo na prática. Eu poderia fazer experimentos para produzir energia renovável limpa e foi aí que me apaixonei por essa área, e hoje estou na minha segunda graduação de Engenharia Ambiental porque quero seguir nela no futuro”.
Atual estudante da FMU (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas) em São Paulo, ela denuncia um abandono no ensino privado. Na UNE uma das maiores pautas tem sido o fim dos 40% EAD nos cursos presenciais, o fim das taxas abusivas e a regulamentação do ensino superior privado.
“Nossa meta é ampliar as vagas para que se o estudante quiser entrar na universidade pública ele consiga, mas, enquanto isso não acontece, buscamos que todos tenham acesso ao ensino superior. Se for numa instituição privada, que tenha qualidade e sem tratar a educação como mercadoria. Não queremos que o mercado financeiro invista em cursos de Medicina visando apenas o lucro, sem buscar aprimorar a saúde pública, fortalecer o SUS”.
Por Cristiane Tada
Fonte: Une.org.br
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