Para Amalia Pereira, dirigente da Central Unitária de Trabalhadores, o “Aprovo” no plebiscito de 4 de setembro corresponde à expectativa do levante popular em que milhões se manifestaram por um novo Chile
Publicado 03/07/2022 09:21
Após um ano de intensos debates, a proposta de Nova Constituição será entregue ao presidente do Chile, Gabriel Boric, na próxima segunda-feira (4). Em entrevista, a dirigente da CUT Chile, Amalia Pereira diz que aprovação da nova constituição virá “a fim de construir um país novo, que enterre a herança neoliberal do ditador Augusto Pinochet (1973-1990)”.
Qual a importância da Nova Constituição para o presente e o futuro do Chile?
Em primeiro lugar precisamos reconhecer que esta é uma Nova Constituição em direitos, que vem para abolir a Constituição da ditadura de Pinochet, feita por meia dúzia de pessoas. Agora teremos uma nova Carta Magna baseada nos direitos humanos e ambientais, nos direitos de todos e todas, dos povos originários. Para isso foi importante a participação paritária de 155 trabalhadores, intelectuais, sendo ampla em todos os sentidos da palavra.
Mas temos problemas desde há muito tempo, abusos de desamparo e desproteção do Estado: na saúde, na educação, bem graves no âmbito ambiental e de moradia. As grandes empresas e os poderes econômicos se apropriam dos territórios, acabam ocupando terreno e levando problemas às comunidades. Isso temos mais fortemente na fundição da cidade de Puchuncavi, na região central de Valparaíso, onde passaram mais de 30 anos e ninguém havia se preocupado. Enquanto isso, continuaram morrendo e adoecendo crianças, adultos e idosos devido à contaminação. E não somente ali, mas em muitos locais onde não se deu atenção ao meio ambiente. Houve a privatização da água e somos o único país em que a água é vendida, o que agravou os problemas ambientais graves. Acreditamos que a Nova Constituição vem para sanar isso.
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Vale lembrar que é uma Constituição que aflorou após um estalido social [levante popular que ocorreu com força entre outubro de 2019 e março de 2020] em que milhões tomaram as ruas pela construção de um novo Chile. Depois do levante queremos educação gratuita, saúde gratuita, moradia e dignidade para nosso povo.
Acreditamos que do ponto de vista interno da Assembleia ocorreram alguns desacertos mais de caráter administrativo, já que do ponto de vista da jornada todos os constituintes trabalharam 24 horas, de segunda a domingo, para fazer com que todos sejamos sujeitos plenos de direitos, como foi reivindicado pela sociedade em seu conjunto nas grandes manifestações.
Em relação ao mundo do trabalho, o que é necessário resolver?
A ditadura nos tirou inúmeros artigos do Código do Trabalho, tivemos um Tribunal Constitucional que nos castigou nos direitos fundamentais, suprimiu o diálogo social, o tripartismo, as relações empresa-trabalhador-Estado. O Estado punitivo passou a dar mais direitos a empresas que aos próprios trabalhadores, que ficaram vulneráveis. Ficamos fragilizados ao sermos colocados bem distante da negociação coletiva, do direito à sindicalização automática e à agrupação formal.
Tudo isso faz com que haja uma problemática apresentada nas últimas eleições parlamentares em que a direita fez a sua bancada e o presidente Gabriel Boric não tem o apoio irrestrito que necessita para caminhar. Sendo assim precisa andar com cuidado, porque a reação continua tendo muito poder, a direita com o poder econômico e da mídia. A reação também se aproveita do descrédito dos partidos políticos, das Forças Armadas, da Igreja e de todas as organizações mais antigas da nossa sociedade.
O que ocorreu no levante impactou muito fortemente a todos. Estamos diante de um cenário complicado em todos os sentidos da palavra: político, social, administrativo. E isso incide sobre o governo do companheiro Boric. Vivemos um problema de tributação muito grave em que os ricos pagam menos e nós, pobres, pagamos mais. O Chile tem uma desigualdade muito grande. Em relação a isso nos governos dos presidentes Salvador Allende e Michele Bachelet também se tentou fazer uma Nova Constituição, mas sempre houve uma oposição muito forte da direita, que é quem tem mais presente o seu sentido de classe. Buscam de todas as formas manter seus privilégios.
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Para alterar esta realidade será apresentada a proposta da Nova Constituinte na próxima segunda-feira (4) e já podemos iniciar na quarta-feira (6) a campanha pela sua aprovação.
Os movimentos sociais estão indo à luta pelo Aprovo, mas a reação tem o controle absoluto dos meios de comunicação pelo Não. O que fazer?
Eles vêm com força. Não será fácil para reverter toda essa campanha que, sorrateiramente, vieram impregnando, contaminando, envolvendo com seus tentáculos uma parcela da sociedade. Some-se a isso como a mídia se aproveita de problemas como o do narcotráfico, que atinge nosso país e aflige nossa juventude, com todos os dias tendo pessoas mortas, tanto chilenos como estrangeiros, seja nos bairros populares ou nos mais ricos, e o crescente roubo de veículos. Tudo isso tem se transformado em discurso, com muita gente se tornando presa fácil para a direita. Inclusive problemas internos da Constituinte – como o comportamento de um que precisou retirar-se por mentir que tinha câncer – que é repetido à exaustão acaba influindo na conduta dos seres humanos. O objetivo é baixar a autoestima, vendendo a imagem do chileno como sendo sempre mais do mesmo, condenado à repetição de erros.
Com a desinformação há um controle das notícias, que não chegam a todos. Para que queremos uma Nova Constituição, para que serve? Por que poderá durar 50 ou 100 anos? Os poderes econômicos têm a mídia e os recursos que lutam para nos manter sob pressão, coagidos. Por isso é preciso ir às ruas para romper as amarras.
E isso vale para o discurso desta mídia em função dos interesses do capital financeiro e das transnacionais, que fica mais evidente na questão das Administradoras de Fundos de Pensão (AFP).
Exatamente. Os que querem que tudo se mantenha como está vem com o discurso de que a Nova Constituinte irá prejudicar o país, para roubar o dinheiro das aposentadorias. Virá um corralito [restrição de sacar dinheiro] como o da Argentina em 2001. Espalham incertezas, temor e a cultura do terror: vão retirar minha propriedade, retirar meu automóvel, vou perder um terreno, vão me expropriar. Há uma manipulação psicológica para que as pessoas reajam com medo a tudo isso. É um verdadeiro filme de terror.
Daí a importância que os jovens compareçam às urnas. Há em nosso favor o fato de que a votação tem caráter obrigatório e uma grande potência no voto feminino. As mulheres vêm ocupando um espaço importante no processo, o que tem feito a diferença.
Qual a sua expectativa em relação ao plebiscito?
Acredito na vitória do “Aprovo”. Com a compreensão de que esta votação não é para mim, é para meus filhos, minhas netas, minhas bisnetas. Mas a disputa é difícil porque os avanços concretos não ganham espaço, não são divulgados amplamente, como faz a grande mídia quando trata dos seus interesses, isso simplesmente não é informado. Ao contrário, a direita mente de forma incisiva, categórica e irreversível em função dos seus interesses.
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Por isso há muita gente que pode não querer votar, dizendo que vai ser mais do mesmo, e isso nos preocupa. Há um discurso midiático de que o reconhecimento de direitos aumentará o desemprego, quando é o oposto. Some-se a isso o fato de os meios de comunicação serem potentes e estarem nas mãos de poucas famílias [há um duopólio com o El Mercurio Sociedade Anónima Periodística (SAP) e o Consorcio Periodístico de Chile (COPESA) concentram 82% dos leitores e mais de 84% da publicidade no setor], em conluio com as empresas transnacionais.
Muita gente ainda não sabe que precisa ir votar em 4 de setembro ou não tem a dimensão da relevância da Nova Constituição. A ditadura de Pinochet nos deixou infiltrado o vírus do neoliberalismo e está nos custando caro expulsá-lo.
Infelizmente, a mídia busca impregnar massivamente uma situação conformista, contra a qual estamos combatendo fortemente. Daí a nossa luta contra o divisionismo e a fragmentação, para que não sejamos presa fácil, para não ficarmos invisibilizados, durante quatro anos, como no último governo de Sebastián Piñera (2018-2022). Do ponto de vista das centrais sindicais, precisamos buscar a unidade, necessitamos estar unidos em um ponto de convergência, em um ponto comum.
O princípio que teremos agora é a Nova Constituição, a construção de um Estado social, democrático, igualitário, participativo, que se preocupa com os povos originários, com o cidadão sujeito de direitos, que investe na ciência e na tecnologia, com o futuro de todos e todas. Acreditamos que o Aprovo vai ganhar porque o povo está pedindo, porque é uma reivindicação da nossa gente.
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