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quarta-feira, 29 de junho de 2022

Projeto bolsonarista rouba futuro e perspectivas da juventude

 Perdas acumuladas nos últimos anos destroem o país e impõem uma realidade hostil aos jovens brasileiros

Jovens protestam em defesa da educação. Foto: UNE

“Há um projeto de roubo do Brasil e atacar a juventude é um meio. A juventude é usada para estabelecer um modelo em que o Brasil se torna uma nação cada vez mais pobre, limitada e desigual”. Com esta avaliação contundente, Lúcia dos Santos Garcia, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e técnica do Dieese, resume todo o processo de destruição do país desde o impeachment, que ganhou contornos mais dramáticos no governo Bolsonaro. E nesse jogo de interesses, a juventude é um dos setores mais atingidos.

A soma de elementos como a alta no desemprego, a precarização das condições de trabalho, os cortes na educação e dificuldades de acessar a rede de ensino, a violência e as consequências da pandemia faz com que a juventude brasileira viva hoje um de seus momentos mais difíceis. 

Os reflexos dessa situação estão evidenciados nas estatísticas. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego entre os 14 e os 17 anos, no primeiro trimestre deste ano, foi de 36,4% (o que corresponde a mais de um terço da população total). Entre os 18 e os 24 anos, ficou em 22,8%. Entre jovens de até 29 anos, no segundo trimestre de 2021, 30% nem trabalhavam, nem estudavam.

Para piorar, a área da educação também segue ladeira abaixo. Além dos escândalos de corrupção envolvendo o Ministério da Educação do governo Bolsonaro, fato que prejudica diretamente o desenvolvimento da área, os limites da lei do teto de gastos, a falta de investimentos e os cortes efetuados pela atual gestão impõem ainda mais dificuldades para o presente e o futuro da juventude brasileira. 

Neste sentido, a evasão no ensino é outro dado preocupante. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), mais de 170% dos jovens estão fora da escola. Também aumentou a evasão nas universidades privadas, reflexo da falta de condições financeiras para bancar os estudos: a taxa foi de 36,6% em 2021 e de 37% em 2020. Nas instituições públicas, em 2020, houve redução de 18,8% no número de estudantes que conseguiram concluir a graduação e de 5,8% de ingressantes. 

Há poucas semanas, jovens protestaram em diversas capitais do país contra os cortes na pasta. Inicialmente, o valor seria de R$ 3,2 bilhões, mas o governo recuou e o valor ficou em R$ 1,6 bilhão. No final deste mês, o governo anunciou nova tesourada na verba das universidades e institutos federais da ordem de R$ 612 milhões. 

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O “novo capitalismo” e a juventude

“A juventude brasileira é o segmento que mais sente e sobre o qual recai de maneira mais intensa todo o processo de precarização do trabalho e da vida que vem acompanhando esse último ciclo de chegada ao Brasil do novo estágio do capitalismo”, diz Lúcia Garcia, que tem se dedicado a estudar essa faixa da população. A técnica do Dieese lembra da piora que vem ocorrendo desde 2014, quando o processo de precarização das relações de trabalho foi ganhando corpo, o que se agravou a partir de 2015 e desaguou na situação atual. 

Lúcia Garcia. Foto: CUT

“O grande mergulho que nós temos na vida social do Brasil é entre 2015 e 2017, exatamente o período em que se concentram as grandes reformas institucionais, a reforma do trabalho principalmente. Depois, temos a continuidade disso na reforma da previdência em 2019 e chegamos em fevereiro de 2020 com a efetividade da reforma do ensino médio que foi projetada no final de 2016”, explica Lúcia. 

E então, diz, “vem o governo Bolsonaro coroando o horror. Temos um desmonte da sociedade brasileira, que é extremamente concentrado no tempo porque se operou em cinco anos entre 2015 e 2020 e retirou as bases da organização brasileira. O governo Bolsonaro tem o papel de institucionalizar as perdas, de cristalizar e consolidar o descenso social”. 

Na avaliação de Lúcia, o atual governo “não deixa as pontas soltas; ele vai amarrando aquilo que já estava colocado e vai abrindo uma nova agenda de destruição também do mundo do trabalho, uma agenda de retirada de oportunidades e perspectivas futuras e aí ela atinge a juventude”. Ela elenca como exemplos, além dos já citados cortes na educação, a tentativa de emplacar a Carteira Verde e Amarela e a MP 1116/22, que pode reduzir em até 50% a cota de aprendizagem profissional —de acordo com a Auditoria Fiscal do Trabalho, 432 mil vagas serão perdidas. 

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Para Lúcia, Bolsonaro “tenta destruir avanços que nós tínhamos conquistado e alargar a precarização das regras contratuais para a juventude, através de um discurso que perpassa toda a questão trabalhista no Brasil: o de que não se contrata porque nós temos um excesso de proteção social, quando isso não é verdade”. 

Beatriz Calheiros, secretária de Juventude da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), coloca que “o governo Bolsonaro escolheu a pauta moral, a retirada de investimentos da educação e a precarização do trabalho como pacote de maldades contra  adolescentes e jovens. O Brasil é um dos países em que a juventude mais trabalha, mas entre esses, 70% estão no mercado informal e ao invés de o governo estar buscando soluções para garantir emprego digno e renda para nossa população, apresenta projetos que visam precarizar ainda mais o mercado de trabalho, seja com a fracassada Carteira Verde Amarela ou agora a MP 1116 que reduz as vagas da Lei de Aprendizagem”. 

Beatriz Calheiros, da CTB. Foto: acervo pessoal

Na avaliação da dirigente da CTB, “devíamos estar estabelecendo medidas para efetivamente orientar e aproveitar as habilidades da juventude, que tem por característica a esperança e a coragem, mas estamos cada dia mais comprometendo sua essência, quando os avanços conhecidos por essas gerações vão ficando para trás e não há perspectiva de futuro. Os sonhos dos jovens trabalhadores brasileiros são banalizados ao ponto de que são milhões de jovens adoentados, com crise de ansiedade, porque além do futuro incerto, ele é instável e inseguro, principalmente se falamos de jovens mulheres, indígenas, negros e negras.

Juventude subalternizada 

Não é à toa que, dentro desse processo de destruição das bases sociais brasileiras, a juventude esteja na mira. “Ela é alvo da precarização porque é um segmento que, primeiro, aceita com mais facilidade por não ter tido um padrão anterior de proteção social e tem a necessidade de obter renda, mas não tem alternativa. Esse é um projeto muito bem articulado porque mescla o mundo trabalho e o da educação. Ele (Bolsonaro) não está interessado exclusivamente em jogar nas costas da juventude um ajuste momentâneo do mundo do trabalho. Na verdade, quer retirar qualquer possibilidade não só de reflexão crítica da juventude sobre a sociedade e seu papel de agente político transformador, mas quer relegar a juventude trabalhadora a um papel subalterno na sociedade”, diz Lúcia. 

O motivo está na forma como o Brasil tem sido tratado desde o governo de Michel Temer, com maior força sob Bolsonaro, no arranjo das nações: como um país que perde sua soberania e altivez, subordinando-se aos interesses de outras nações, em especial os Estados Unidos. 

Neste sentido, o processo de barateamento da mão de obra é parte fundamental dos interesses econômicos. “O ensino médio é desmantelado, as universidades têm seus orçamentos e sua organização extremamente afetados, a ciência e a tecnologia são limitadas porque, afinal, (o país) vai se integrar como fornecedor de mão de obra barata. Então, pegam e nivelam a legislação trabalhista para uma taxa de exploração, muito maior, mais intensa, sobre essa mão de obra barata”, aponta Lúcia. E a juventude, claro, é a mão de obra menos custosa em todo esse processo. 

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Momento de mudança

Em meio a esse imbróglio, o documento com as diretrizes programáticas da coligação Vamos Juntos pelo Brasil, de Lula e Alckmin, defende, com relação aos jovens: “O desemprego, a fome, a insegurança e a falta de perspectiva são realidades comuns nas juventudes brasileiras neste momento. Queremos um projeto de país que viabilize novas e mais oportunidades para a juventude, com acesso à educação e à cultura, promoção, qualificação e geração de empregos de qualidade. Um país que assegure a todos e todas o direito à vida, com dignidade e liberdade, e aos sonhos”. 

A diretiva vai no sentido do que vem sendo defendido também por entidades sindicais. “A nossa central vem atraindo a juventude trabalhadora e aprimorando sua participação nas direções estaduais, bem como nas federações, sindicatos, conselhos, fóruns em que atuamos e nas atividades mais diversas”, salienta Beatriz, da CTB. 

Ela acrescenta que, por isso, “o Coletivo de Juventude da CTB  se transformou em CTB Jovem — um organismo da entidade que visa adesão de jovens desempregados, desalentados, trabalhadores das mais diversas categorias, do campo e da cidade, jovens que consequentemente estão mais distantes da base do movimento sindical, por isso é necessário esse resgate a fim de garantir a ampliação da luta de massas,  a manutenção do movimento sindical e a sua renovação”.

Cristiana Gomes, da CUT. Foto: acervo pessoal

Secretária de Juventude da CUT, Cristiana Paiva Gomes explica que a central “tem dialogado e organizado a juventude”, mas que esse processo tem sido dificultado pelo cenário atual. “O jovem muitas vezes trabalha e estuda e ainda está fazendo um extra, chega em casa já nas últimas, então muitas vezes não tem disposição para militar”.

No entanto, confiante no papel da juventude especialmente neste ano eleitoral, ela argumenta que “grandes revoluções da história partiram da juventude e a gente tem uma responsabilidade muito grande nesse cenário totalmente adverso de trazer à tona o que está acontecendo, dialogar com a sociedade e mostrar o quanto a gente cresceu antes e o quanto regredimos nos últimos anos”. 

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