Ressaca da insensatez: aglomeração desta vez foi na Olegário Maciel, point do bairro da Zona Oeste
Lucas Altino, Leticia Lopes e Marcelo Antônio Ferreira
04/07/2020 - 04:30
Balada vigiada: Fiscais da prefeitura vistoriam um restaurante na Barra para verificar cumprimento dos protocolos Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
RIO — Após a noitada de quinta-feira nos bares e nas calçadas do Leblon, onde foram ignoradas as regras de proteção contra o coronavírus, que já matou mais de sete mil pessoas no Rio, donos de restaurante decidiram virar a mesa para enfrentar a repercussão negativa das cenas de aglomeração que se espalharam pelas redes sociais. Empresários do setor fizeram uma reunião e anunciaram que, a partir de agora, vão denunciar o desrespeito aos protocolos estabelecidos pelas autoridades. Já a prefeitura garante que vai reforçar a fiscalização. Depois do Leblon, nesta sexta-feira foi a vez de a Rua Olegário Maciel, point na Barra, ter bares lotados com frequentadores, mais uma vez, sem máscaras.
— A tônica é mudar nossa imagem. Precisamos passar de denunciado para denunciante — afirmou Alexandre Serrado, presidente do Polo Gastronômico do Jardim Oceânico, dono do Bar da Lapa e conselheiro do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SindRio). — Acho que também precisamos usar o Disk Aglomeração da prefeitura. Se está tumultuando na porta, o comerciante tem que chamar a polícia. E mostrar que o protocolo é respeitado no interior do estabelecimento.
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Das quase cem mil denúncias de aglomeração que a prefeitura recebeu desde março, 22.400 envolviam bares e restaurantes. A noite de quinta-feira, primeiro dia da reabertura de bares e restaurantes na cidade após mais de três meses de fechamento por causa da pandemia, teve muito movimento, principalmente, nas ruas Dias Ferreira, no Leblon, e na Hilário de Gouveia, em Copacabana. O cenário foi diferente de outras áreas boêmias, como a Lapa, que não teve tantos frequentadores. A Guarda Municipal esteve no Leblon e pediu que algumas casas, como Stuzzi e Belmonte, fechassem mais cedo devido à concentração de pessoas. No entanto, de pouco adiantou. A grande maioria que sequer usava máscaras estava nas calçadas, consumindo bebidas vendidas por camelôs.
— Nós podemos parar de servir quem está em pé, mas não temos controle se a pessoa compra cerveja em outros locais, pois a calçada é espaço público — diz Serrado.
Bar na Barra da Tijuca: frio e chuva nesta sexa-feira não espantaram clientes, que ignoraram o uso das máscaras Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
Covid-19 banalizada
Para o escritor e historiador Luiz Antonio Simas, especialista em botequins, as aglomerações de quinta-feira foram um “triunfo da insanidade”. Ele vê uma mistura de sentimentos nesse comportamento, que passa pela banalização da morte e pela negligência do poder público:
— A cidade, tristemente, aprendeu a banalizar tragédias. A Covid-19 foi normatizada pela sociedade, num movimento que não é inédito. No Império, epidemias eram banalizadas. Novamente, vimos a falta de percepção coletiva.
A psicanalista Lindinaura Canosa, da Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio, enxerga um comportamento equivocado para desafiar as autoridades:
— É uma ideia imatura. Quando você vai para o bar de maneira inconsequente, você vai contra você, contra seu pai, contra sua mãe.
Nas redes sociais, a farra no Leblon foi criticada por anônimos e famosos. A atriz Fernanda Paes Leme classificou as cenas no Leblon de irresponsáveis. Tatá Werneck também foi dura: “Enquanto trabalhadores sofrem por não poderem ficar em casa porque precisam sustentar suas famílias, pessoas egoístas ironizam o sofrimento dessas famílias indo a praias, bares etc”.
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Em um dos vídeos que circularam na internet, é possível ver que os clientes do bar Boa Praça, no Leblon, estavam sem máscara. Um dos sócios, Flávio Sarahyba se defendeu e disse que adotou todos os protocolos sanitários, como abrir com 50% da capacidade e fazer a medição de temperatura na entrada.
— É muito delicado. Eu posso pedir para os clientes usarem máscara dentro do estabelecimento, mas também entra a questão da cidadania e da consciência do carioca.
Dono da rede Belmonte, com nove unidades no Rio, Antonio Rodrigues fez críticas à falta de apoio do governo. Ele contou ter dois restaurantes em Portugal, onde recebeu ajuda para pagar a funcionários e teve direito a uma linha de crédito.
— Assim você pode dormir tranquilo, consegue pagar contas. Sabe que vai reabrir só quanto estiver todo mundo bem — disse Rodrigues.
Em Copacabana, o ponto de aglomeração foi no bar Pavão Azul.
— Está muito difícil. Passamos, praticamente, quatro meses com o bar fechado. Da nossa parte, não houve descumprimento. Estamos fornecendo álcool em gel, e todo mundo trabalha com máscara. As pessoas estavam com saudades. Agora acho que vão ficar mais comedidas — disse o administrador do estabelecimento, Sérgio Santos
Em nota, o SindRio afirmou que é “absolutamente contra a aglomeração” e que o que aconteceu nesta sexta-feira “não corresponde ao trabalho sério e comprometido de todos os empresários que abriram suas portas para receber seus clientes, dentro da legalidade, e com todos os protocolos ainda mais rígidos de higiene e de distanciamento”.
Até mesmo quem é louco por uma mesa de bar acha que não é hora de aglomeração.
— A ansiedade é grande, mas, por ora, é melhor ficar em casa — afirma especialista em bares Marcos Bonder, conhecido como Bond Buteco.
Colaboraram Felipe Grinberg e Rodrigo Berthone
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