Levantamento mostra que quase 4 mil instituições de ensino público não possuem oferta de água potável, coleta e tratamento de esgoto ou drenagem urbana; cenário preocupa com retorno presencial durante a pandemia
Estudantes cearenses ainda não têm a certeza de quando poderão voltar a frequentar suas escolas de forma presencial, tampouco como isso deverá ocorrer, tendo em vista a disseminação da Covid-19. Contudo, um desafio estrutural antigo pode atrapalhar ainda mais a saúde dos alunos de certas unidades, em um contexto de reforço das medidas de higiene pessoal e coletiva.
Isto porque 65,56% das escolas públicas estaduais e municipais do Ceará não possuem todos os itens de saneamento básico, como indica um levantamento feito pela Instituição Melhor Escola, com base nos dados do Censo Escolar 2019. Em números totais, das 5.955 unidades de ensino públicas, 3.905 não têm toda a estrutura possível. No setor privado, o número é bem inferior: das 1.653 escolas mapeadas, 18,11% (299) apresentam condições similares.
O levantamento aponta que apenas 4,8% das instituições públicas têm carência de água potável; 65,56% delas não dispõem de tratamento de esgoto; e 20,6% não possuem coleta de lixo regular. No contexto de pandemia do novo coronavírus, a análise é um alerta para o retorno das atividades presenciais, conforme o sócio-fundador da Instituição Melhor Escola, Juliano Souza.
Alerta
"Existe essa preocupação com o saneamento básico para essa volta ser mais segura. Esses números mostram que a rede particular está mais preparada do que a rede pública", avalia Juliano, que acredita na necessidade do retorno para garantir o funcionamento da economia e do desenvolvimento estudantil.
Na análise dele, é preciso, inicialmente, ver quais instituições já apresentam saneamento básico adequado, além de garantir itens de higiene pessoal, a estrutura básica e o distanciamento necessário. "Vai haver maior restrição de alunos no prédio sem saneamento ou fazer algum investimento para solucionar esse problema ou pensar em utilizar outros prédios", sugere, e completa: "sei que não é simples fazer tudo isso, mas tem que ter formas de verificar, pois há muitas possibilidades".
Em nota, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informou que "está em fase de planejamento para o retorno às atividades presenciais" e, para tomar essa decisão, as medidas "incluem o acompanhamento da estrutura das escolas no que se refere ao saneamento básico para promover as condições necessárias", informa.
Segundo a Pasta, no Censo Escolar de 2019, 99% das unidades de ensino da rede pública estadual possuem tratamento de esgoto. "Com relação à água potável, a Secretaria informa que as escolas contam com esse serviço", diz o órgão.
Na semana passada, a titular da Seduc, Eliana Nunes Estrela, afirmou ao Diário do Nordeste que propôs a um Comitê formado pela entidade que o retorno às atividades presenciais ocorra em agosto, ainda sem data definida. O plano de retomada deve considerar a condição sanitária dos municípios, as especificidades de cada etapa de ensino e a garantia de verbas para estruturar as demandas de higienização.
Cuidados
Na visão do infectologista Robério Leite, o saneamento básico em escolas além de essencial nesse contexto de pandemia, é um desafio das áreas mais carentes, pois "um dos pilares do enfrentamento do vírus é a higienização das mãos". O especialista ressalta, porém, que os coronavírus são excretados pelas fezes, ou seja, está no esgotamento sanitário, mas "a ciência não sabe ainda a capacidade de transmissão por essa via", explica.
"Imagina um vírus que é eliminado de maneira prolongada, e isso vai atingir o esgotamento sanitário, podendo contaminar o ambiente se não tiver boas condições. Não está provado ainda, mas a capacidade de transmissão por essa via parece não ser muito importante, mas não pode ser excluída", avalia Robério Leite.
A EEFM Santo Amaro, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza, é uma das instituições de ensino que não possuem esgotamento sanitário ligado à rede estadual. "A escola fica entre duas ruas, nenhuma tem sistema de esgoto. A frente da escola fica pra Rua Nova Conquista, mas a água toda que sai da pia da cozinha é jogada na rua detrás", conta o diretor do colégio, Marcos Matias.
Segundo o gestor da escola, a preocupação é com a população que mora ao redor, pois o esgoto não afeta tanto os trabalhos internos. Apenas em alguns raros momentos. "Quando entope, tem que fazer um trabalho preventivo nas instalações internas, aquele mau-cheiro daquela água que deveria ir direto para o esgoto acaba voltando e minando alguns pontos da escola", explica.
O Diário do Nordeste procurou a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) para saber o porquê de as ruas não terem ligação sanitária à rede de esgoto e se há algum projeto para a inclusão desse trecho do bairro nesse sentido. O órgão informou que enviará equipe técnica à Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Santo Amaro para realizar estudo planaltimétrico com o objetivo de verificar a possibilidade de interligar o equipamento à rede de esgotamento sanitário disponível na área.
Apesar dos problemas no esgoto, Marcos Matias afirma que a coleta de lixo na região é regular e a água utilizada na instituição é potável. Água, inclusive, que, com a higienização adequada, será um dos pontos-chave para garantir o retorno saudável às atividades presenciais, conforme explica o infectologista Robério Leite.
Para ele, "embora crianças e adolescentes não sejam tão afetados do ponto de vista de gravidade da doença - ainda que raramente isso pode acontecer -, o problema é eles serem infectados e levarem para casa e para as pessoas de risco", afirma Marcos Matias, gestor da escola do bairro Bom Jardim.
Fonte: Diário do Nordeste
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