Por Redação,
Relatos sobre o vídeo da reunião ministerial gravada pelo Planalto no dia 22 de abril indicam que o presidente Jair Bolsonaro tratou a mudança do comando da Polícia Federal do Rio de Janeiro como meio de proteção de sua família.
O presidente Jair Bolsonaro vinculou a mudança do superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro a uma proteção de sua família, em reunião ministerial gravada pelo Planalto no dia 22 de abril, segundo pessoas que tiveram acesso à gravação. Conforme relatos, Bolsonaro usou, na reunião, um palavrão, o verbo "f****", ao falar do impacto de uma possível perseguição a seus familiares.
Ele então afirmou que, antes disso, trocaria todos da "Segurança" do Rio, o chefe da área e até o ministro - na época, o da Justiça era Sérgio Moro, que deixou o Governo dois dias depois daquela reunião ministerial. Na interpretação de quem assistiu ao vídeo, as palavras foram um recado a Moro. O presidente, segundo pessoas que tiveram acesso à gravação, disse que não poderia ser "surpreendido" porque, de acordo com ele, a PF não repassava informações.
O vídeo da reunião foi exibido ontem (12) na PF em Brasília. Moro acompanhou presencialmente a exibição ao lado de integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR), advogados do ex-ministro e integrantes do Governo Federal e da PF. Bolsonaro, segundo os relatos, afirmou que já havia tentado fazer trocas no Rio.
Segundo investigadores da PF, o vídeo complica a situação de Bolsonaro e dificulta eventual arquivamento do inquérito por parte do procurador-geral da República, Augusto Aras. Na avaliação deles, não há dúvidas de que Bolsonaro busca intimidar Moro em suas palavras.
O ministro Celso de Mello, do STF, deu 48 horas para Aras manifestar-se sobre o sigilo do vídeo. Ele solicitou a manifestação da PGR, da defesa de Moro e do advogado-geral da União, José Levi, sobre a publicidade da gravação.
A defesa do ex-ministro divulgou nota, ontem, em que afirma que a gravação confirma 'integralmente" as declarações dele sobre as interferências de Bolsonaro na PF.
Em depoimento, Moro afirmou que, na reunião, da qual participaram ministros e o presidente, Bolsonaro cobrou a substituição do superintendente do Rio de Janeiro e do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, além de relatórios de inteligência e informação da corporação.
A troca da Superintendência do Rio é ponto central das investigações envolvendo uma possível interferência do presidente na corporação. Segundo Moro, Bolsonaro tentava interferir na PF.
Após a saída de Moro, Bolsonaro conseguiu trocar o comando da PF no Rio. O novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Souza, decidiu mudar a chefia da Superintendência no Rio de Janeiro, foco de interesse da família de Jair Bolsonaro. Carlos Henrique Oliveira, então chefe da PF no Estado, foi convidado para ser o diretor-executivo, número dois na hierarquia do órgão.
Segundo pessoas que assistiram ao vídeo, Bolsonaro chamou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), seu desafeto, de "bosta".
A autoridades do Governo do Rio de Janeiro, reservou o termo "estrume". O filme tem outros momentos que suscitariam constrangimento político para o Governo.
Um dos presentes à exibição relatou que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tinham de ir para a cadeia. O vídeo tem aproximadamente duas horas.
Reação
No Alvorada, Bolsonaro disse que não tem nenhum parente investigado pela PF. Mas a PF no Rio tem uma série de apurações e interesses que esbarram nele e em sua família.
Desde o episódio envolvendo um porteiro do seu condomínio na Barra da Tijuca, na investigação do assassinato de Marielle Franco (PSOL), Bolsonaro passou a se preocupar ainda mais com o Rio.
O presidente chegou a insinuar que o ocorrido era parte de um plano do governador Wilson Witzel (PSC-RJ). Antes aliados, os dois viraram inimigos políticos desde o final do ano passado.
O caso da "rachadinha" do então gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio não está com a PF, mas o órgão tocava na época investigações envolvendo personagens em comum. O Ministério Público do Rio de Janeiro abriu em setembro do ano passado dois procedimentos para investigar o vereador Carlos Bolsonaro pela suspeita do uso de funcionários fantasmas em seu gabinete e da prática de "rachadinha" -quando o servidor devolve parte do salário para o parlamentar.
Interpretação
Bolsonaro afirmou, ontem (12), que não disse as palavras "Polícia Federal", "superintendente" e "investigação" durante a reunião ministerial.
"Não existem no vídeo a palavra 'Polícia Federal' nem 'Superintendência'. Essa interpretação depende de cada um. Não tem a palavra 'investigação'", disse Bolsonaro. Questionado sobre se comentou algo sobre seus filhos, Bolsonaro disse que a sua preocupação é com a "segurança" deles, após a facada que sofreu durante a campanha eleitoral.
Covid-19
Já a Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu, ontem (12), entregar os exames de Bolsonaro para coronavírus em mãos no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski, do STF.
Ele tinha sido sorteado como relator de ação em que o jornal O Estado de S. Paulo pedia a suspensão de decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio Noronha, que desobrigava o presidente de apresentar exames feitos para detectar se ele já foi infectado pelo coronavírus. Bolsonaro fez testes para coronavírus nos dias 12 e 17 de março. Afirma que os resultados foram negativos, mas se nega a mostrá-los. A Justiça já deu ganho de causa duas vezes ao jornal. A AGU recorreu, alegando que o presidente tem direito à privacidade.
Moro
O ex-ministro Sérgio Moro afirmou, por meio de nota, que o acesso ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril "confirma o conteúdo" do depoimento prestado por ele à Polícia Federal no último dia 2.
"Defendo, respeitosamente, a divulgação do vídeo, preferencialmente na íntegra, para que os fatos sejam brevemente confirmados", disse.
O vídeo do encontro, ainda sob sigilo, faz parte do inquérito que tramita no STF sobre as acusações que Moro fez a Bolsonaro de interferência na Polícia Federal. O ex-juiz da Lava Jato deixou o Ministério da Justiça no dia 24 de abril acusando o presidente.
Em sua nota, ex-ministro vincula as frases do presidente aos episódios que ocorreram nos dias seguintes àquela reunião.
"As declarações feitas na reunião foram evidenciadas, também, pelos fatos posteriores: demissão, sem motivo, do diretor-geral da PF, troca do Superintendente da PF no RJ, além da minha própria exoneração por não concordar com as mudanças", disse o ex-ministro.
Bolsonaro criticou, ontem (12), a divulgação do conteúdo do vídeo.
"A reunião ministerial sai muita coisa. Agora, não é para ser divulgado. A fita tinha que ser, inclusive, destruída após aproveitar imagens para divulgação, ser destruída. Não sei porque não foi. Eu poderia ter falado isso, mas jamais eu ia faltar com a verdade. Por isso resolvi entregar a fita. Se eu tivesse falado que foi destruída, iam fazer o quê? Nada. Não tinha o que falar", disse o presidente.
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou pedido ao ministro Celso de Mello, decano do Supremo e relator do inquérito sobre interferências na PF, pela liberação da íntegra da reunião ministerial do dia 22 de abril. Randolfe alegou que o caso se trata de investigação de maior relevo para a República e que a rápida solução da controvérsia envolvendo as declarações de Moro contra o presidente é imperiosa para a pacificação social.
Fonte: Diário do Nordeste
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