André Cintra Publicado em 05.08.2019
Pela primeira vez em 72 anos, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) tornou públicos arquivos da arbitrária cassação
do Partido Comunista do Brasil em 1947. São centenas de páginas de
documentos históricos da Corte, que revelam como o registro partidário
foi cancelado. Além de resultar na perda dos mandatos eletivos dos
comunistas, a cassação impôs ao Partido seu mais prolongado período de
clandestinidade: foram 38 anos de espera até a reconquista da
legalidade, em 1985.
A peça mais importante disponibilizada na íntegra pelo TSE é sua
Resolução Nº 1.841, de 7 de maio de 1947. Com nada menos que 211
páginas, esse calhamaço, relatado pelo “Sr. Professor Sá Filho”, foi o
documento que formalizou a cassação da legenda de Luiz Carlos Prestes,
João Amazonas, Carlos Marighela e Jorge Amado. Na época, a bancada
comunista na Assembleia Constituinte era composta por um senador
(Prestes) e 14 deputados federais, eleitos em dezembro de 1945.
Passados apenas quatro meses do pleito, o deputado Barreto Pinto
(PTB) pediu, em março de 1946, a anulação do registro do Partido
Comunista, “alegando o caráter ditatorial e internacionalista da
agremiação”. Segundo o parlamentar, a legenda estaria “a serviço da
União Soviética” e ficaria contra o Brasil numa eventual guerra entre as
duas nações.
Apesar dos argumentos subjetivos e essencialmente
ideológicos, o TSE levou a denúncia adiante: “O parecer do procurador
geral foi pelo arquivamento do processo, mas o Tribunal optou por não
aceitá-lo e deu prosseguimento à apuração”. Essa divisão no interior da
Corte marcaria todo o processo.
A segunda denúncia ao TSE coube
a Himalaia Virgulino, um juiz que, desde a década de 1930, despontava
pela obstinada perseguição aos comunistas. Desta vez, o magistrado
acusava o Partido de “promoção de greves e da luta de classes”,
“vinculação com o comunismo soviético” e “violação dos princípios
democráticos e direitos fundamentais do homem”.
Democracia
Caracterizar os comunistas como
antidemocratas era o eixo da reação. A tática se amparava na legislação
eleitoral em vigência desde 1945. Essa lei transformou a política
partidária no Brasil, ao valorizar as legendas nacionais – com inserção
em diversos estados –, em detrimento de siglas regionais. Para autorizar
o retorno ou a criação de um partido político, era exigido um mínimo de
10 mil filiados, em ao menos cinco circunscrições eleitorais. Até esse
ponto, o Partido Comunista era favorecido.
Mas, de acordo com a
nova página do TSE, era possível “negar o registro à agremiação
partidária cujo programa se opusesse à democracia ou aos direitos
fundamentais do homem”. Esta foi a base para as denúncias de Barreto
Pinto e Himalaia Virgulino contra os comunistas. Num equilibrado – e
dramático – julgamento no Plenário do Tribunal o peso da Guerra Fria e
da propaganda anticomunista falou mais alto.
Por três votos a
dois, a Corte deliberou o cancelamento do registro do Partido. O relator
Sá Filho e o ministro Ribeiro da Costa rechaçaram as acusações – “a
tese vencida ressaltou a ausência de provas das alegações”. Mas os votos
pró-cassação – dos desembargadores J. A. Nogueira, Rocha Lagoa e
Candido Lobo – viam “procedência das acusações” de que o programa dos
comunistas contrariava o regime democrático
O TSE tinha sete
membros, mas dois deles ficaram sem votar: o ministro Lafayette de
Andrade (porque presidia o julgamento) e, estranhamente, o professor
Machado Guimarães (que sequer “tomou parte (...) por não ter assistido o
relatório”). O fato é que, em poucos dias o Ministério da Justiça
passou a fechar as instalações partidárias. Em janeiro de 1948, os
parlamentares comunistas (federais, estaduais, distritais e municipais)
perderam seus mandatos.
Primeira página da Resolução do TSE que cancelou o registro do Partido Comunista
Outros documentos
A seção especial do TSE traz mais documentos do embate judicial entre
comunistas e anticomunistas. É o caso do Recurso Extraordinário
Eleitoral N° 12.369, com o qual o Partido recorreu, em abril de 1948, ao
Supremo Tribunal Federal (STF). Por unanimidade, a Corte nem chegou a
reconhecer o pedido.
Como a anulação de mandatos não estava
prevista na Constituição de 1948, sobreveio a Lei Nº 648, de 10 de março
de 1949, para tratar especificamente do “preenchimento” dos cargos
subtraídos: “Os lugares tornados vagos nos corpos legislativos, em
consequência do cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil
(...), caberão a candidatos de outro ou de outros partidos, votados na
eleição de que se tenham originado os mandatos”.
As demais
peças publicadas pelo TSE são decorrentes dessa lei. A Resolução Nº
3.222, de 20 de maio 1949, negou a anulação dos votos dos comunistas nas
eleições anteriores, que visava refazer o coeficiente eleitoral. Já o
Recurso Extraordinário N° 15.758, proposto pelo Partido Democrata
Cristão (PDC), também foi considerado improcedente. As duas medidas,
porém, revelam como o cerco ao Partido Comunista, de tão exorbitante,
provocou insegurança jurídica e política no País.
“Julgados históricos”
Embora não faça autocrítica de suas posições tendenciosas e condenáveis
contra os comunistas da década de 1940, o TSE presta um valoroso
serviço ao abrir arquivos do processo. A iniciativa é parte de um
projeto para destacar seus “principais julgados históricos” – “momentos
da história político-eleitoral brasileira” em que a Corte tomou decisões
com “grande repercussão jurídica e social”.
O conjunto dos
arquivos estava à disposição de pesquisadores, mediante aprovação do
Tribunal. Mas no novo serviço, lançado na sexta-feira (2), no Portal do
TSE, esses documentos foram sistematizados e contextualizados, com o
objetivo de “contribuir para a difusão da história do Tribunal nos meios
acadêmico e científico”.
Desde 1945, conforme o portal, sete
“julgados históricos” sobressaíram. O pedido de cassação do Partido
Comunista do Brasil – que, na ocasião, adotava a sigla PCB – foi o
segundo desses “testes de fogo” para a Corte, sucedendo o julgamento da
Assembleia Constituinte de 1946. Se a decisão no primeiro caso foi
essencialmente democrática, a repressão judicial aos comunistas
consistiu num ato criminoso.
Confira abaixo os documentos disponibilizados pelo TSE
1) Resolução Nº 1.841
- Data: de 7 de maio de 1947
- Autor: TSE
- Determinação: cancela o registro do Partido Comunista do Brasil
2) Recurso Extraordinário Eleitoral N° 12.369
- Data: 14 de abril de 1948
- Autor: Partido Comunista do Brasil
- Pedido: revogar a Resolução Nº 1.841
- Decisão do TSE: não reconhecer (negar) o recurso
3) Resolução Nº 3.222
- Data: de 7 de maio de 1947
- Autor: TSE
- Determinação: negou a anulação dos votos do Partido Comunista no
período de 1945 a 1947, para efeitos de recalculo de quocientes
eleitorais
- Link: http://www.vermelho.org.br/admin/arquivos/biblioteca/tse-resolucao-3222-votos-de-legenda133799.pdf
4) Recurso Extraordinário N° 15.758
- Data: 3 de maio de 1950
- Autor: Partido Democrata Cristão (PDC)
- Pedido: julgar inconstitucional a Lei Nº 648/1949, sobre o
“preenchimento das vagas” dos parlamentares comunistas com mandato
cassado em 1948
- Decisão do TSE: reconheceu o recurso, mas negou provimento
- Link: http://www.vermelho.org.br/admin/arquivos/biblioteca/tse-recurso-extraordinario-15758133800.pdf
Fonte: http://www.grabois.org.br/portal/noticias/154905/2019-08-05/tse-divulga-arquivos-da-cassacao-do-partido-comunista-em-1947?fbclid=IwAR129wZMlCq2sLV_2L5irZ7D7XbT7Fc7TPCb_m-ilLLV4a9M5XgUiopaPuE
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