O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (14) o Projeto de Lei (PL) 7596/17, do Senado, que define os crimes de abuso de autoridade cometidos por agente público. A matéria será enviada à sanção presidencial.
Segundo o texto, essas condutas somente serão crime se praticadas com a finalidade específica de prejudicar outra pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, assim como por mero capricho ou satisfação pessoal.
Já a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não será considerada, por si só, abuso de autoridade.
Estão sujeitos a responderem por esses crimes qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Incluem-se nesse rol, portanto, os servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; e membros do Legislativo; do Executivo; do Judiciário; do Ministério Público; e dos tribunais ou conselhos de contas.
A nova lei será aplicada ainda a todo aquele que exercer, mesmo de forma transitória e sem remuneração, qualquer forma de vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade pública.
Para a líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o combate ao abuso é um instrumento da democracia. “Ninguém pode cometer abuso investido de cargo público pago pelo povo, pelo dinheiro público. É disso que se trata. E há consequências graves de abuso. Quero lembrar de uma consequência: o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Isso é consequência de um abuso grave de autoridade”, afirmou Jandira, em referência ao reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que cometeu suicídio 18 dias após ser preso sem provas pela Operação Lava Jato. A lei leva o seu nome.
O projeto foi aprovado com a oposição de deputados do PSL, legenda do presidente Jair Bolsonaro. Alguns parlamentares defendem, inclusive, que o presidente deverá vetar alguns pontos do texto aprovado.
Para o deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) é incompreensível a oposição à matéria. “Não compreendo como algumas pessoas conseguem ficar contra um projeto que tem essa natureza. Só serão alcançadas pelo conteúdo do projeto aquelas autoridades que cometerem abuso, e isso não poderia ser diferente. Todos aqueles que transgredirem as disposições legais devem enfrentar o que estabelece esse projeto. O texto, na verdade, chega com atraso. O Congresso Nacional deveria tê-lo aprovado antes. Mas, como diz a sabedoria popular, antes tarde do que nunca”, disse.
O argumento foi reiterado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “Só pode temer essa regra quem comete abuso. E quem comete abuso é uma parcela ínfima de autoridades públicas. É muito importante que lei valha para todos. Todo mundo deve se submeter à mesma regra, e a ninguém deve ser permitido cometer qualquer abuso que seja”, afirmou.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR) diz que a Lei Cancellier, que pune o abuso de autoridade, coíbe ação de agentes públicos que usam o cargo de acordo com suas posições pessoais, políticas ou partidárias, não impede o combate à corrupção e garante que ele seja feito dentro da lei. “Qualquer um pode ser vítima de abusos”, ressaltou.
E o deputado Henrique Fontana (PT-RS) argumentou que o País precisa um estado democrático de direito que proteja a todos os cidadãos, independentemente das suas ideias e posições na política.
“Nós precisamos ter uma lei que regulamente o abuso de autoridade, que fortaleça o combate ao crime, as instituições, o Parlamento, o Ministério Público, o Judiciário”. Na avaliação do deputado, todos aqueles agentes públicos que agem dentro dos limites da legalidade serão beneficiados por esta lei que regulamenta as punições para quem comete crime de abuso de autoridade.
Indenização e perda do cargo
O projeto considera como efeitos da condenação criminal outras penalidades, como obrigação de indenizar o dano causado segundo fixado pelo juiz na sentença; a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública pelo período de 1 a 5 anos; e a perda dessas mesmas funções.
Entretanto, a inabilitação para o cargo ou sua perda somente serão aplicados nos casos de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados os motivos na sentença.
Penas restritivas de direitos
Como as penas para os crimes tipificados são de detenção, ou seja, de baixo potencial ofensivo, o próprio projeto prevê penas substitutivas: prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato pelo prazo de 1 a 6 meses, com a perda da remuneração e das vantagens; e proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município em que tiver sido praticado o crime e naquele em que residir ou trabalhar a vítima pelo prazo de 1 a 3 anos.
Essas penas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
Criança e adolescente
No Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o projeto determina que a perda do cargo, do mandato ou da função pública somente ocorrerá se houver reincidência nos crimes praticados com abuso de autoridade contra criança ou adolescente tipificados no estatuto.
Essa perda de cargo está prevista no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) e é aplicada quando a pena privativa de liberdade for por tempo igual ou superior a um ano.
Um dos crimes tipificados no estatuto, por exemplo, é o de produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente.
A pena de reclusão de 4 a 8 anos e multa aumenta de 1/3 se o crime for praticado por agente no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la.
Ação penal
Os crimes de abuso de autoridade serão apurados com base em ação penal pública incondicionada, ou seja, não dependerá de queixa do ofendido para se oferecer a denúncia contra o suspeito.
Entretanto, se a ação penal pública não for apresentada no prazo legal, poderá haver a ação privada; e o Ministério Público poderá fazer acréscimos a ela, rejeitá-la e oferecer denúncia substitutiva. No caso de negligência do querelante, o órgão poderá retomar a ação como parte principal.
O ofendido terá o prazo de seis meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia, para entrar com a ação privada.
O projeto prevê também que as penas criminais são aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa, mas a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar.
Em outras palavras, se a pessoa for inocentada na esfera criminal não poderá ser condenada na esfera cível (indenização) ou administrativo-disciplinar (sanções previstas em outras normas específicas).
Prisão temporária
O projeto muda a Lei 7.960/89 para estabelecer novas regras sobre a prisão temporária. Atualmente, a lei prevê que o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade depois do prazo de cinco dias fixado para esse tipo de prisão, exceto se ela tiver sido convertida em preventiva.
Com a nova regra, exige-se que o mandado de prisão temporária deverá conter necessariamente o período de sua duração e o dia em que o preso deverá ser libertado. Após esse prazo, a autoridade responsável pela custódia deverá pôr imediatamente o preso em liberdade, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, exceto se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva.
Advogado
No Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), passa a ser crime, punido com detenção de 3 meses a 1 ano, violar direito ou prerrogativa de advogado como a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho e sigilo de comunicação; a comunicação com seus clientes; a presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quando preso em flagrante por motivo ligado ao exercício da advocacia; e prisão temporária especial.
Escutas
Em relação ao crime de “grampo” ilegal, o projeto inclui a escuta ambiental entre os atos tipificados como tal, sujeitos a pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa. O texto especifica ainda que praticará esse crime o juiz que determinar a execução de “grampo”, escuta ou qualquer outra interceptação de comunicação com objetivo não autorizado em lei.
Fonte: PCdoB na Câmara com informações da Agência Câmara
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