O Senado não pode ser uma Casa carimbadora. Fez isso com a reforma trabalhista, com medidas provisórias e com a Emenda Constitucional 95 que congelou os investimentos públicos por 20 anos. Como Casa revisora, o Senado deve debater, exaustivamente, questões estratégicas para o país e para o bem-estar da população. É um erro só confirmar o que vem da Câmara.
Por Paulo Paim*
Insistir nesse erro é abrir mão das suas prerrogativas e responsabilidades. É preciso, sempre, melhorar e avançar nas garantias da dignidade humana.
O texto da reforma da Previdência chegou ao Senado com modificações graças a um firme e capacitado diálogo entre os deputados. Mesmo assim, continua ruim e está anos-luz da realidade. Há um caminho semeado para o fim das aposentadorias e para que todos ganhem somente um salário mínimo. Trabalhadores, classe média e pobres sofrerão na carne, irão pagar a conta.
Acredito que é viável modificar alguns pontos, como a idade mínima de 65 anos, para homens, e 62, para mulheres, e o limite de até dois salários mínimos para o abono salarial. Alguns senadores comentam que estão convictos da necessidade de resgatar a integralidade da aposentadoria por incapacidade, a integralidade da pensão por morte para viúvas e viúvos e o cálculo do benefício que utiliza 80% das maiores contribuições.
A aposentadoria especial é um benefício para quem exerce atividades que podem causar prejuízo à saúde e à integridade física ao longo do tempo, como metalúrgico, mineiro, químico, estivador, eletricista, trabalhador em extração de petróleo, técnico de radioatividade, foguista, extrator de mercúrio, fundidor de chumbo, carregador e perfurador de rocha, professor, enfermeiro, entre outros.
Um metalúrgico que começou a trabalhar aos 18 anos, e contribuiu por 25 anos, estará apto a se aposentar aos 43 anos de idade. Pela regra desta reforma ele terá que trabalhar até a idade mínima de 60 anos. Muitos não sabem o que é trabalhar em uma forjaria e fundição, com metais pesados, com calor de 1.000 ºC, com produtos químicos e tóxicos. O corpo dói, a alma sofre, sangue e suor se misturam. Digo isso com propriedade, pois fui metalúrgico por 20 anos.
E o que dizer de um mineiro de subsolo que trabalha em atmosfera pesadíssima, com pouco oxigênio e muita poeira, que tem seus pulmões afetados e distúrbios no coração? Se começou a trabalhar aos 18 anos, poderá se aposentar aos 33 anos. Entre os 35 anos e os 45 anos, ele já é considerado incapaz para o trabalho. Mas a idade mínima desta reforma para esse profissional é de 55 anos. Isso é muita crueldade.
Desde os anos 1960 o professor tem garantida a aposentadoria especial. Essa profissão, de altíssima relevância social, é altamente penosa, desgastante e estressante. Não vou nem comentar aqui a questão salarial, os atrasos, o não cumprimento do piso, as escolas em condições precárias, as agressões físicas. São inúmeros os casos de afastamento do serviço por problemas de saúde. O cenário é o mesmo. Se ele começou a lecionar aos 22 anos, somados aos 25 anos de contribuição, ele estará apto a ser aposentar aos 47 anos. Pela proposta, terá que chegar aos 60 anos de idade.
O Senado não pode se omitir e se abster de modificar a PEC 06/2019. Todos somos favoráveis que o país dê certo, volte a crescer e a se desenvolver com investimentos na infraestrutura, na geração de emprego e renda, na melhoria de vida das pessoas. Rever pontos que aqui eu citei, e outros que também estabelecem recuo social, é uma necessidade, justa e perfeita, para que, aí sim, tenhamos uma proposta de reforma com um mínimo de equilíbrio.
Importante ressaltar que qualquer modificação que o Senado faça nesta reforma, ela, obrigatoriamente, terá que voltar à Câmara. Mas não vejo nenhum problema aí, pois o governo possui mais de 370 votos naquela Casa.
* Paulo Paim, senador (PT-RS) desde 2003, é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal
Folha de S.Paulo
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