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quinta-feira, 13 de junho de 2019

Por que os EUA estão perseguindo o fundador do Wikileaks?

Governo britânico assinou nesta quinta-feira (13) o pedido de extradição de Julian Assange para os Estados Unidos.


Por Patrick Cockburn*

Maina Kiai / Flickr
Assange extraditado.Assange extraditado.
Eu estava em Cabul, uma década atrás, quando o WikiLeaks liberou uma parcela massiva de documentos do governo americano sobre os conflitos no Afeganistão, no Iraque e no Iêmen. Neste dia eu estava ao telefone, arranjando um encontro com um oficial americano para um informe anônimo. Eu lhe disse ao longo de nossa conversa o que eu acabara de descobrir através das redes de notícias.

Ele demonstrou grande interesse e me perguntou o que era sabido do grau de sigilo dos arquivos. Quando eu lhe contei, ele disse em um tom aliviado: “Nenhum segredo de verdade, então.”

Quando nos encontramos mais tarde em meu hotel eu lhe perguntei por que ele estava tão desdenhoso das revelações que estavam causando tamanho alvoroço no mundo.

De fato ele estava fazendo o que todo jornalista deveria fazer, e fazendo-o com muito sucesso.
Ele explicou que o governo americano não era tão ingênuo a ponto de não perceber que disponibilizar estes documentos a uma variedade tão ampla de oficiais civis e militares significava que eles provavelmente vazariam. Qualquer informação realmente nociva à segurança americana tinha sido eliminada.

De qualquer forma, ele disse: “Nós não vamos descobrir os maiores segredos a partir do WikiLeaks pois estes já foram vazados pela Casa Branca, pelo Pentágono ou pelo Departamento de Estado.”

Eu achei seu argumento persuasivo e mais tarde escrevi um texto dizendo que os segredos do WikiLeaks não eram tão secretos assim.

Entretanto, os ingênuos eram o amigável oficial americano e eu; esquecemo-nos de que o verdadeiro propósito do segredo de Estado é possibilitar que governos estabeleçam suas próprias versões da verdade, frequentemente mendazes e servindo aos seus próprios interesses, através da seleção cuidadosa de “fatos” a serem passados adiante para o público. Eles ficam enfurecidos por qualquer revelação do que eles realmente sabem, ou por qualquer fonte alternativa de informação. Tais ameaças ao controle que estes têm da agenda de notícias devem ser suprimidas sempre que possível e, onde não forem, os responsáveis devem ser perseguidos e punidos.

Nós temos dois bons exemplos do quão longe um governo – neste caso o dos EUA – está disposto a ir para proteger sua própria versão contaminada de eventos. O primeiro é a acusação ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, sob a Lei de Espionagem, por vazar 750.000 documentos militares e diplomáticos confidenciais em 2010.

O segundo exemplo aconteceu nos últimos dias. A mídia internacional pode não ter sempre se coberto de glória na guerra do Iêmen, mas há jornalistas corajosos e organizações de notícias que têm feito justamente isso. Um deles é o repórter iemenita Maad al-Zikry que, junto com Maggie Michael e Nariman El-Mofty, é parte de uma equipe da Associated Press (AP) que este ano ganhou o Prêmio Pulitzer, prêmio internacional de reportagem, pela cobertura in loco da guerra no Iêmen. Suas histórias incluíram revelações sobre ataques de drones americanos no Iêmen e sobre as prisões mantidas lá pelos Emirados Árabes Unidos (EAU).

O governo dos EUA claramente não gostou desse tipo de jornalismo crítico. Quando o Pulitzer foi concedido no dia 28 de maio, em Nova Iorque, Zikry não estava lá porque foi-lhe negado um visto para entrar nos EUA. Não há mais uma embaixada americana na capital iemenita Sanaa, mas há dois meses ele abriu caminho até a embaixada americana no Cairo, onde seu pedido de visto, apesar de plenamente apoiado pela AP e muitas outras instituições de prestígio, foi rejeitado.

Após mais pressão exercida pela AP, Zikry fez um segundo pedido de visto e desta vez foi visitado por um conselheiro na embaixada. Ele se relata perguntando: “Por acaso a embaixada americana acha que um jornalista investigativo iemenita fazendo reportagens para a AP é um terrorista? Vocês estão dizendo que eu sou um terrorista?”

O conselheiro disse que iriam “trabalhar” no visto dele ou, em outras palavras, perguntar às potestades que há em Washington o que fazer. “Então eu esperei e esperei – e esperei,” ele diz. “E até agora não ouvi nada deles.”

Sem dúvida, Washington é plenamente capaz de renunciar a qualquer proibição na garantia de um visto a um iemenita em um caso como esse, mas escolheu não fazê-lo.

Pode o que Assange e o WikiLeaks fizeram em 2010 ser comparado ao que Zikry e a AP fizeram em 2019? Alguns comentaristas, para sua vergonha, alegam que a perseguição de Assange, e seu aprisionamento atual com possível extradição pendente para os EUA ou a Suécia, não tem nada a ver com liberdade de expressão.

De fato ele estava fazendo o que todo jornalista deveria fazer, e fazendo-o com muito sucesso.

Tomem o Iêmen como exemplo. É uma história atual de grande significado, pois recentemente altos funcionários dos EUA denunciaram o Irã por supostamente dirigir e armar os rebeldes Houthi que estão lutando contra as forças apoiadas pelos sauditas e pelos Emirados Árabes Unidos (EAU). Qualquer ação destes supostos proxies iranianos poderia ser um casus belli no confronto entre EUA e Irã.

Mike Pompeo, o Secretário de Estado dos EUA, diz que o Irã proveu aos Houthis “os sistemas de mísseis, o equipamento e a capacidade militar” que eles adquiriram.

John Bolton, o Conselheiro de Segurança Nacional, disse que o Irã arriscava uma “resposta muito forte” dos EUA por, entre outras coisas, ataques de drones pelos Houthis à Arábia Saudita, pelos quais ele responsabiliza os iranianos.

Estas acusações – pelos EUA, pela Arábia Saudita e quem quer que seja seu aliado iemenita do dia – de que os Houthis são fantoches do Irã armados com armas fornecidas por iranianos tem uma longa história. Mas o que nós sabemos sobre o que Washington realmente acha dessas alegações que não mudaram muito ao longo dos anos.

É aqui que o WikiLeaks vem ao resgate.

A embaixada americana em Sanaa pode estar fechada hoje, mas estava aberta no dia 9 de dezembro de 2009, quando Stephen Seche, o embaixador americano, enviou um relatório detalhado ao Departamento de Estado intitulado: “Quem são os Houthis? Como estão lutando?” Citando fontes numerosas, ele diz que os Houthis “obtêm suas armas do mercado negro iemenita” e através de acordos corruptos com comandantes militares do governo. Um alto oficial da inteligência iemenita é citado dizendo: “Os iranianos não estão armando os Houthis. As armas que eles usam são iemenitas.” Outro alto oficial diz que os militares anti-Houthi “abafam suas falhas dizendo que as armas [dos Houthis] vêm do Irã.”

Especialistas iemenitas no conflito dizem que a aquisição de armas Houthi hoje tem igualmente pouco a ver com o Irã. o Iêmen sempre teve um próspero mercado negro de armamento no qual armas, grandes e pequenas, podem ser obtidas em quase qualquer quantidade com dinheiro suficiente. Forças anti-Houthi, copiosamente supridas pela Arábia Saudita e os EAU, estão felizes em lucrar vendendo armas para os Houthis ou quaisquer outros.

Em um período anterior, o estudo da embaixada cita “relatórios sensíveis” – presumivelmente da CIA ou outra organização de inteligência – dizendo que extremistas da Somália, que queriam foguetes Katyusha, tinham simplesmente cruzado o Mar Vermelho e os comprado no mercado negro iemenita.

Revelar informações importantes sobre a guerra no Iêmen – na qual pelo menos 70.000 pessoas foram mortas – é a razão pela qual o governo americano está perseguindo tanto Assange quanto Zikry.

O jornalista iemenita diz provocativamente que “uma das razões chave pelas quais essa terra está tão empobrecida, na trágica condição que atingiu hoje, é a punição em massa da administração dos EUA ao Iêmen”. Esta afirmação é demonstravelmente verdadeira, mas sem dúvida alguém em Washington considera isso um segredo.




*Patrick Oliver Cockburn é jornalista irlandês que é correspondente do Oriente Médio para o Financial Times desde 1979 e, a partir de 1990, do The Independent. Ele também trabalhou como correspondente em Moscou e Washington e é um colaborador frequente da London Review of Books

Tradução do artigo: André Kanasiro para a Revista Opera

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