Por Felipe Gurgel, felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Com lançamento marcado pra hoje, em Fortaleza, "Leila" instiga o debate acerca da sutileza do tema. Especialistas orientam sobre a abordagem junto às crianças
A dor de uma vítima de abuso sexual, por mais que se arrisque, não é algo que se descreve em uma página de jornal. De outra forma, se você já escutou alguém contando a própria história nesse sentido, ou leu um relato sobre algum caso, sabe como é difícil manter distância emocional. Vem o choro e aquela sensação de "entalo" na garganta que surge ao mesmo tempo que, por um exercício de empatia e humanidade, o ouvinte se coloca, em instantes, no lugar de quem foi abusado.
E é sobre essa voz que precisa sair, para a cura existir, que trata "Leila", um livro infantil escrito por Tino Freitas e ilustrado por Thaís Beltrame (Editora Abacatte). O lançamento acontece nesta quinta (13), às 19h, com a presença dos autores e da psicanalista Galeára Matos, a qual participará de uma roda de conversa sobre a importância da literatura infantil na elucidação da questão do abuso sexual na infância.
"Mais que um alerta pra que a gente precise ter voz, é sobre aprender a escutar. Às vezes, as vítimas tentam falar da forma como sabem, mas não conseguem ser ouvidas. É um livro também para os meninos, para que aprendam que não é se impondo que se faz uma relação. Escrevo para as crianças, mas também que emocione jovens, pais e avós", diz Tino Freitas.
Para Galeára Matos, o texto e as ilustrações de "Leila" ajudam a minimizar o desconforto do tema. Pelo filtro dos autores, a história deve, segundo a psicanalista, ser compartilhada entre pais e filhos, nas escolas, com alunos e professores; e "em qualquer lugar onde tenha uma criança precisando de voz pra falar da dor de ter a marca de um abuso sexual", enfatiza.
Personagens
Segundo a psicopedagoga Camila Fattori, presente ao lançamento do livro em São Paulo, no último dia 18 de maio, embora "Leila" traga em seu enredo poético as figuras de uma baleia jubarte ("Leila") na posição de abusada, e um polvo, como o abusador, a sutileza da história alcança a realidade de pessoas de várias faixas etárias, bloqueadas pelas marcas do abuso.
Para Fattori, a leitura de "Leila" pode inspirar que as vítimas se reconheçam na história e procurem apoio. "Podemos pensar que os livros para as crianças só tenham de ter temas felizes. Mas vale falar, por meio da literatura infantil, de todos os temas. Sobre morte, enfim, elas também viverão situações difíceis na vida", reflete.
Tino faz coro à observação dela, e reforça como "Leila" pode ajudar a fortalecer o senso crítico e a inteligência emocional das crianças quando elas, cada uma ao seu tempo, encontrarem essas questões futuramente (seja no caso de se tornar uma vítima, seja com alguém próximo delas).
Fase
Indagados se enxergam uma faixa etária ideal para que o tema do abuso sexual seja inserido no diálogo com as crianças, o autor, a psicanalista e a psicopedagoga expõem que depende do contexto de cada uma.
"Tenho o depoimento de uma mãe que foi ler pra filha de seis anos. A menina entendeu que o 'Leila' é um livro sobre liberdade. A mãe fez a leitura com ela, e a menina disse que queria ser livre como a Leila. Cada leitor vai entender de uma forma diferente", revela Tino.
Galeára Matos orienta que, no momento em que os pequenos tiverem noção do próprio corpo, por volta dos três anos de idade, já existe uma deixa para emplacar a conversa. "Quando a criança diz da sua curiosidade (sobre as diferenças entre a anatomia feminina e masculina). Ao perceber na criança que há algo que a assusta, isola e a deixa esquisita; e se ela perdeu a espontaneidade nas manifestações de carinho", sugere a psicanalista.
Camila Fattori complementa como os adultos precisam ter o cuidado com o discurso nesta troca. "Quando for menorzinho, explicar que tem lugares (do corpo) em que não se pega. E esse discurso vai se complexificando ao longo do tempo, até o ponto que elas possam entender o que ocorre. E não permitir e não se culpar, caso aconteça com elas", explica.
Serviço
Leila em Fortaleza
Lançamento do livro nesta quinta (13), às 19h, no Romã Café Design (Rua Oswaldo Cruz, 1346, Meireles). Antes dos autógrafos, haverá uma roda de conversa com a presença da psicanalista Galeára Matos, sobre a questão entre a literatura e o abuso sexual na infância. Entrada franca. Contato: (85) 3244.1450
Livro
Leila
Tino Freitas e Thaís Beltrame
Editora Abacatte
2019, 52 páginas
R$ 44
Confira indicações de livros sobre o tema:
Infantis:
“Não me toque, seu boboca”, de Andréa Viviana Taubman (Editora Aletria)
“Segredo Segredissimo”, de Odivia Barros (Editora Saraiva)
“Pipo e Fifi : Prevenção de violência sexual na infância”, de Carolina Arcari (Editora Caqui)
Adultos:
“Ecos do silêncio: Reverberações do traumatismo sexual”, de Cassandra Pereira França (Org., editora Blucher)
“Violência sexual na família - Do silêncio à revelação do segredo”, de Suzana Braun (Editora Age Ltda)
Fonte: Galeára Matos
Fonte: Diário do Nordeste
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