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quarta-feira, 19 de junho de 2019

Gilberto Maringoni: Bolsonaro assanha sua horda para reagir a desgaste

Jair Bolsonaro retomou a ofensiva ou pratica fuga para frente? É uma questão importante para se perceber as possibilidades da oposição na conjuntura.


Por Gilberto Maringoni, no Outras Palavras

Para Maringoni, "o presidente tem pelo menos quatro abacaxis de grosso calibre diante de si"Para Maringoni, "o presidente tem pelo menos quatro abacaxis de grosso calibre diante de si"
O presidente tem pelo menos quatro abacaxis de grosso calibre diante de si: a saraivada de denúncias do Intercept, o estreitamento político de seu governo, a 16ª revisão para baixo da expectativa do PIB de 2019 e a entrada em cena do descontentamento popular ativo.

Em uma semana, Jair Messias demitiu três generais – Santos Cruz (Secretaria de Governo), Franklimberg Freitas (Funai) e Juarez de Paula Cunha (ECT) – e um banqueiro – Joaquim Levy. Além disso, Bolsonaro atacou o STF, afirmou precisar do povo “mais do que do Parlamento” e voltou a defender a entrada do Brasil na Otan, mesmo sabendo que o tema é controverso dentro das Forças Armadas. Tais ações provocam faíscas em aliados de primeira hora.

Bolsonaro não age e não pensa como militar tradicional, apesar de alardear a ideia a todo momento. Abre diversas frentes simultâneas de atrito, ao invés de concentrar ataques em um ou dois alvos de cada vez, para consolidar terreno. Seu apelo exacerbado a um senso comum reacionário mais confunde que esclarece e, sem a menor cerimônia, às vezes recua da palavra empenhada quando se vê em apuros. Suas ações parecem ter a finalidade de levantar poeira e açular a belicosidade de sua base de apoio, para facilitar avanços pontuais.

Há método nesse caos? Para responder a essa questão, é preciso separar as coisas.

Bolsonaro não toca mais a pauta econômica principal, a reforma da Previdência. Esta é tarefa de Rodrigo Maia, no Congresso, que desidrata o projeto de Paulo Guedes para, possivelmente, completá-lo e aprová-lo mais adiante. E, embora tenha alojado Gustavo Montezano, pistoleiro financeiro no BNDES, com o objetivo de demolir o principal pilar do desenvolvimento brasileiro dos últimos 70 anos, a receptividade da alta finança não é boa. É mais um lúmpem incumbido de depredar patrimônio público.

Cumpre-se lembrar que a outra estaca do ultraliberalismo econômico foi fincada pelo STF, no último dia 7. Naquele dia, a Suprema Corte julgou legal a venda de subsidiárias de estatais pelos Conselhos de Administração das empresas, sem licitação ou exame de viabilidade. Abriu-se a porta para dissolver todo a lógica que possibilitou ao Brasil ser o único país da periferia capitalista a completar toda a cadeia produtiva – indústrias de bens leves, duráveis e de produção – até os anos 1980.

Esses são os movimentos principais da coalizão reacionária, que separam momentaneamente a direita tradicional – que pilota a agenda econômica – da extrema-direita fascista, que faz malabarismos na política. Usando-se de alguma licença poética, pode-se dizer, como Leon Trotsky, que são articulações desiguais e combinadas.

Há, além disso, duas vias de acúmulo de tensões na conjuntura. A primeira se dá de baixo para cima com as mobilizações populares de 15M, 30M e com a greve geral de 14 de junho. A segunda é perceptível nos atritos entre governo e partes de sua própria base (Congresso, Supremo, grandes bancos, setores do alto comando militar e empresariado ligado à produção). Mas não há ainda um ponto de ruptura visível por qualquer um desses dois flancos. Ou seja, o governo não cairá ou se inviabilizará no curto prazo.

As nomeações feitas por Bolsonaro no BNDES e na Secretaria de Governo indicam um endurecimento de sua coalizão, ao mesmo tempo em que se estreita sua base de apoio. Há – repetimos – descontentamentos sérios no mercado financeiro e no que resta do setor produtivo com a destruição do BNDES.

Jair Messias abandonou a tática empregada há duas ou três semanas, um recuo organizado para recomposição de forças e (re)conquista de aliados. Partiu para ofensiva – ou fuga para a frente – multifronte buscando força no próprio avanço, lastreado no bolsonarismo raiz. Movimentou-se publicamente – com apoio tácito do Jornal Nacional, carro chefe da desqualificação dos vazamentos do Intercept – para reafirmar quem dá as ordens em palácio. Enquadrou Hamilton Mourão, o assanhado vice, que voltou à discrição que o cargo exige. E convocou suas hordas de assalto virtuais para infestar as redes com artilharia pesada.

Qual a saída para esse quadro pra lá de complexo?

É difícil sustentar a ideia de que haverá “fechamento do regime” ou algo assim, a contraface da noção de que “Bolsonaro vai cair”, mencionada acima. O governo não conta com apoio popular suficiente – como a ditadura, em 1968 – para uma aventura autoritária. Nos tempos da decretação do AI-5, a economia começava a crescer, após dois anos de recessão. A situação atual é oposta. Há uma impopularidade crescente em progressão geométrica, que vai da decepção e da irritação e que já redunda em ação social organizada. Ao mesmo tempo, Bolsonaro atua com provocações contínuas para desorientar quem está pela frente.

Para todos os efeitos – e essa é uma arma poderosa para a oposição – a Constituição de 1988 segue em vigor.

Em síntese, dois fatores de contenção dos arreganhos autoritários estão em pé: as possíveis novas denúncias do Intercept e as mobilizações de rua. A ampliação dessas últimas depende fundamentalmente da percepção – que ainda não ocorre – de que a desgraça na vida cotidiana – falta de emprego, salário, saúde e comida na mesa – não será revertida por Bolsonaro. Ao contrário: sua ação corre para aprofundar o abismo social. A ação de massas organizada é decisiva para um desenlace positivo e democrático deste cenário.

A crise é muito séria. Mas a ação destrambelhada do capitão e de sua milícia opera aceleradamente para isolá-lo.

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