Índice Global indica piora em segurança pública e instabilidade política no país. Relatório também traz alerta sobre o risco que mudanças climáticas trazem para a segurança do planeta
Filipe Barini
12/06/2019 - 01:01 / Atualizado em 12/06/2019 - 07:39
Mulher afegã leva fuzil para proteger crianças no caminho até a escola. O Afeganistão foi apontado como o país menos pacífico do mundo pelo estudo do Instituto para Economia e Paz. Quase 18 anos depois do início da guerra, o país vive um aumento na violência, no terrorismo e na instabilidade política. Foto: NOORULLAH SHIRZADA / AFP
RIO — Um mundo perigoso, com alguns sinais de melhora, mas com uma grande ameaça no futuro. Este é o cenário apresentado no estudo"Índice Global da Paz" , divulgado pelo Instituto para Economia e Paz, baseado na Austrália. É a 13ª edição do relatório e, pela primeira vez em cinco anos, registrou uma melhora na segurança no planeta. Entretanto, algumas regiões, como as Américas , enfrentaram deterioração ampla das condições de paz e segurança. O Brasil , por exemplo, caiu dez posições.
— Entre 2018 e 2019 nós percebemos que o mundo ficou mais pacífico, mas foi uma mudança muito pequena. O que está liderando essa mudança é a redução dos confrontos em guerras como as da Síria e daUcrânia . O número de mortes em combate caiu, assim como o número de mortes decorrentes do terrorismo. Esse foi o fato que mais influenciou nesse aumento no “ Índice de Paz ”— afirma Thomas Morgan, pesquisador do Instituto que participou da elaboração do programa.
A Islândia aparece como o país mais pacífico do mundo, seguida por Nova Zelândia, Portugal e Áustria. Por outro lado, o Afeganistão aparece no fim do ranking, atrás de Síria, Sudão do Sul e Iêmen, que pela primeira vez aparece nas cinco últimas posições. O Brasil caiu dez posições, agora ocupando o 116º lugar, com a classificação de “risco médio à paz”. Entre as regiões, a Europa aparece como a mais segura, enquanto o Oriente Médio é visto como o mais perigoso.
No Brasil, tráfico, violência e instabilidade política
No caso da América Latina, o destaque negativo foi a Nicarágua , que enfrentou uma onda de repressão a manifestações contra o presidenteDaniel Ortega . O país, que também convive com as guerras de gangues, tráfico de drogas e altos níveis de encarceramento, caiu 58 posições no ranking. Honduras, Venezuela e Cuba também registraram pioras significativas.
Ao falar do Brasil, o relatório destaca que nove dos indicadores do país tiveram queda acentuada, o que explica a perda de dez posições no ranking. Os altos níveis de encarceramento, confrontos envolvendo traficantes e mortes violentas contribuíram para a piora na avaliação. O Brasil aparece entre os dez países com as maiores taxas de homicídio, sem perspectiva de melhora. O estudo considera ainda que o nível de polarização política, especialmente depois da eleição de 2018, deve continuar elevado, ainda mais durante a votação de temas sensíveis, como a reforma da Previdência.
— Se olharmos para os indicadores, sim, vemos uma deterioração, aumento nos crimes violentos, níveis de conflito interno, de instabilidade política. Esses problemas não podem ser resolvidos da noite para o dia. Se olharmos as eleições no Brasil, podemos perceber uma tensão política. Não importa a força do governo, não importa se as políticas dele são boas, esse tipo de problema leva tempo para ser resolvido. É mais fácil entrar em um conflito do que sair dele — afirma Thomas.
Segundo o relatório, o custo econômico da violência no Brasil, incluindo gastos diretos e indiretos, superou os US$ 297 bilhões em 2018 , equivalente a R$ 1,15 trilhão , pela cotação do Banco Central. O valor corresponde a 9% do Produto Interno Bruto do país.
Já na avaliação mundial, o impacto econômico da violência chegou a US$ 14,1 trilhões em 2018. Houve aumento de 3,3% no valor em relação a 2017, com destaque para os gastos decorrentes de mortes violentas e crime. Por outro lado, os gastos com conflitos armados caíram 28%.
O estudo, que abrange cerca de 99% da população global , usou 23 indicadores. Eles incluem nível de militarização de um determinado país, impacto do terrorismo, número de mortes violentas por grupos de 100 mil pessoas e até a capacidade nuclear. Cada um dos indicadores possui um peso diferente na hora de estabelecer a classificação de um país. Os itens considerados mais importantes são os que medem as mortes em conflitos internos e externos, intensidade dos conflitos internos e relações com os vizinhos.
Analisar tantas tendências permite traçar um retrato mais fiel da situação de segurança. Afinal, como afirma o fundador e presidente-executivo do Instituto, Steve Killelea, não é nada simples saber se o mundo está mais seguro.
— Muitas das tendências observadas na última década destacam a complexidade da paz mundial. Claramente, é uma boa notícia a de que oterrorismo patrocinado por Estados recuou consideravelmente na última década, com 62 países melhorando suas pontuações, enquanto em apenas 42 houve uma piora. Entretanto, o encarceramento mostra uma tendência oposta, com 95 países aumentando essa taxa, em comparação com 65 que melhoraram — afirma Steve.
Água move conflitos
Este ano o relatório traz uma novidade: uma pesquisa sobre o impacto das mudanças climáticas sobre a paz no mundo.
— Com a influência das mudanças climáticas, os riscos em conflitos vão aumentar a longo prazo, já se pode ver hoje conflitos relacionados ao clima exacerbando uma situação que já era complicada. É uma força multiplicadora em conflitos — afirma Thomas Morgan. — Os conflitos na Nigéria , entre forças regionais, têm como um dos elementos principais a desertificação, provocada pelas mudanças no clima. E são fenômenos que vão se intensificar nas próximas décadas.
O estudo aponta que 971 milhões de pessoas vivem em áreas com exposição alta ou muito alta a riscos ambientais. Quase metade, 400 milhões , estão em países onde os níveis de paz são considerados baixos. E foram justamente estes países que tiveram as maiores quedas no ranking. A disputa por fontes de água é apontada como o principal motivador de conflitos, especialmente na África Subsaariana .
Além de conflitos, o clima também foi responsável pela maior parte dos deslocamentos forçados no planeta: 61,5% foram provocados pordesastres naturais , como enchentes e furacões.
Novos e velhos confrontos
O ano de 2018 viu alguns conflitos longos, como no Iraque, no Leste da Ucrânia e na Síria, perderem força, com uma redução no número de mortes. Tanto que, no caso ucraniano, o país registrou o maior avanço nas condições de segurança. Mas a nova liderança do presidenteVolodymyr Zelenski e as ações da Rússia deixam o cenário futuro pouco claro.
— Apesar da redução no número de mortes, ainda não vemos um caminho claro para uma paz duradoura. Claro, isso não significa que vamos voltar aos dias de combate, mas certamente é muito cedo para dizer se e quando esse conflito será resolvido — afirma Thomas.
Dúvidas também pairam sobre o Oriente Médio e a Ásia Central . A constante ameaça de uma conflito envolvendo o Irã contribui para um aumento na insegurança. Mesmo que, por momento, não passe de uma guerra de palavras. O Irã foi um dos países que tiveram a maior queda: nove posições.
— A situação em alguns países vem se estabilizando, como na Síria, no Iraque, onde o nível de governança vem aumentando. Mas também vemos, nas últimas semanas ou mesmo dias, as tensões entre o Irã e os EUA , há preocupação sobre o risco de um conflito. O nível de conflito noAfeganistão vem aumentando nos últimos anos, enquanto conflitos em outros lugares vêm diminuindo de intensidade. No Afeganistão estamos vendo um aumento no número de mortos, em batalha e em atos de terrorismo — revela Thomas.
Fonte: https://oglobo.globo.com/mundo/brasil-cai-10-posicoes-em-ranking-que-mede-paz-no-planeta-23732499
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