Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Googder conta que a pandemia do novo coronavírus fez o mercado de viagens e turismo retroceder ao menor patamar dos últimos 15 anos, e que provocou uma diminuição de 73% no setor que, não fosse a Covid-19, poderia ter crescido pelo menos 4% em 2020.
Por outro lado, a crise sanitária pode representar a oportunidade de muitos destinos reverem suas políticas em relação a que tipo de turismo querem praticar, encontrando um equilíbrio maior entre a presença de visitantes e o bem-estar de seus habitantes. Mudanças devem ocorrer também no comportamento do viajante, ao menos em curto ou médio prazo, e que podem favorecer o fortalecimento do turismo local e o desenvolvimento de regiões até então fora do radar da maioria dos viajantes. O que pode ser uma boa notícia para o Brasil, cujo mercado de viagens depende muito mais da circulação interna do que da chegada de estrangeiros.
Goodger será um dos participantes da webinar "O novo turista e os novos produtos", parte do projeto Broadcast SP, da Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo. O seminário virtual acontece nesta terça-feira, 30 de junho, a partir das 14h, com
transmissão pelo Youtube (no canal secturismosp). O presidente da U.S. Tour Operators Association (USTOA), a associação dos operadores americanos, Terry Dale, também participará do evento, que terá participações especiais do CEO do grupo WTC São Paulo, João Nagy, do economista Roberto Giannetti, e do presidente da rede Accor para América do Sul, Patrick Mendes. Uma nova edição do encontro, com outros participantes, acontecerá em 7 de julho.
Confira, a seguir, como foi a conversa:
Seis meses após os primeiros casos do novo coronavírus, já é possível conhecer a extensão dos prejuízos causados pela pandemia ao turismo mundial?
É impossível conhecer toda a extensão do impacto com total precisão, mas, mesmo com a expectativa de alguma recuperação inicial no segundo semestre do ano à medida que as restrições forem levantadas, estimamos que o mercado internacional de viagens em 2020 será menor que metade de seu tamanho em 2019. Este será o ano mais baixo para viagens internacionais há mais de 15 anos.
Temos que reconhecer que também há incerteza significativa nas perspectivas. Nosso cenário de previsão negativa foi compilado sob a suposição de que restrições mais rigorosas às viagens são necessárias por um período mais longo, juntamente com um cenário econômico ainda mais fraco e um menor entusiasmo do viajante, o que causaria uma queda de 73% nas viagens globais em 2020 - o que é ainda mais grave, se considerarmos que as expectativas de crescimento do setor, pré-coronavírus, eram de quase 4% no turismo global. As atividades domésticas de viagens também caíram acentuadamente no ano até o momento, com grandes quedas de cerca de 33% em relação ao ano passado.
Diante do cenário atual, quais são as previsões para a recuperação do turismo internacional? Quando voltaremos aos níveis de dezembro de 2019, por exemplo?
O setor de viagens provou ser resiliente na recuperação de uma série de impactos anteriores em todos os destinos e esperamos uma recuperação nos níveis anteriores de atividade. No entanto, levará tempo para a recuperação econômica, incluindo uma recuperação na renda e nos gastos das famílias, enquanto a disposição de viajar será afetada negativamente por algum tempo.
O turismo internacional voltará aos níveis pré-pandemia só em 2023 ou 2024, no pior caso. No entanto, haverá algum impacto duradouro na atividade econômica e nas viagens, e as perspectivas de médio prazo agora são mais baixas do que em nossa previsão pré-pandêmica.
Já as viagens domésticas devem recuperar os níveis de 2019 até 2022, um ano antes das viagens internacionais, em média em todos os mercados.
Quais setores do turismo foram mais afetados pela pandemia? Quais já mostram alguma recuperação e quais levarão mais tempo para superar a crise?
As viagens domésticas já estão começando a se recuperar em vários destinos, à medida que as restrições estão sendo atenuadas, primeiro internamente, e, em seguida, para viagens curtas para países vizinhos, e, num terceiro momento, para destinos mais confiávies, incluindo bolhas de viagem e corredores aéreos.
As visitas a amigos e parentes tendem a ser o segmento de demanda mais estável e retornam primeiro, pois geralmente envolve viagens a destinos conhecidos e considerados seguros, enquanto as interações com estranhos são mais limitadas. As viagens de lazer individuais provavelmente serão as próximas a se recuperar, incluindo pequenos grupos ou famílias. Destinos mais remotos ou rurais são favorecidos nos estágios iniciais de recuperação, uma vez que destinos urbanos geralmente mais lotados e grandes resorts têm menos demanda.
As viagens de negócios, incluindo a atividade de MICE (eventos de negócios, como feiras e exposições), também levarão mais tempo para se recuperar. As interações on-line ainda não são um substituto perfeito para reuniões presenciais em muitos casos, mas reuniões virtuais continuarão substituindo alguns deslocamentos a trabalho. Também é esperado que as empresas reduzam os orçamentos de viagens, como foi observado em crises anteriores, o que afetará as viagens de negócios transitórias. Os grandes eventos também permanecerão sujeitos a restrições por algum tempo em muitos destinos, incluindo limites de capacidade e número de possíveis participantes. Considerando os prazos necessários para organizar um grande evento, o setor de MICE atrasará a recuperação mais ampla das viagens.
Como você vê o Brasil nesse contexto de recuperação do turismo?
O Brasil enfrenta um claro desafio em termos do grande número de casos notificados e da percepção de falta de segurança por parte dos potenciais visitantes. Por outro lado, é altamente dependente do mercado doméstico. No Brasil, as atividades domésticas de viagens representam uma proporção maior de receitas, viagens e pernoites do que na maioria dos outros grandes destinos. A maior queda nas viagens internacionais não terá um impacto tão grande dentro do país se a atividade doméstica puder retomar mais rapidamente do que o esperado. Uma conseqüência dessa grande demanda doméstica é que há apenas uma demanda limitada de viagens de saída e, portanto, apenas uma oportunidade adicional limitada de substituição da demanda internacional pela demanda doméstica, o que é evidente em outros lugares.
O Brasil corre menos riscos do que muitos outros destinos com expectativa de recuperação estável, se as viagens domésticas puderem ser incentivadas com segurança. Mas há menos oportunidades de crescimento do que em outros lugares e uma recuperação mais rápida é menos provável.
Falando em destinos, quais serão os mais afetados pela crise e suas consequências? Destinos como América Latina, Sudeste Asiático e África, que dependem fortemente de viajantes internacionais, podem ser mais impactados do que Europa, China e Estados Unidos, que possuem mercados domésticos mais robustos?
Destinos com alta dependência de viagens internacionais, principalmente de mercados a longas distâncias, correm mais risco nos próximos anos. Além disso, aqueles com uma alta dependência típica da demanda de viagens durante os meses de verão do Hemisfério Norte serão fortemente afetados, pois algumas restrições permanecerão em vigor por pelo menos parte desse período de pico de viagem. Nesse sentido, alguns dos pequenos destinos da Europa mediterrânea e das ilhas do Caribe estão notavelmente em risco, mas esforços significativos para abrir fronteiras, estabelecer corredores aéreos e promover-se como destinos seguros ajudarão na recuperação.
O que a nova pandemia de coronavírus pode ensinar ao turismo? O que deve mudar nas viagens, no futuro?
A pandemia pode chamar a atenção para a dependência excessiva do turismo para a economia de alguns destinos. Isso mostra a necessidade de diversificação, atividade econômica e emprego de diversos setores. O turismo continuará sendo uma parte essencial desse mix para muitos destinos e ainda desempenhará um papel importante nas relações e transações internacionais.
A crise também está destacando o verdadeiro valor e os custos do turismo para os destinos, pois os aspectos positivos e negativos da presença de visitantes ficaram muito evidentes. A receita perdida está sendo claramente sentida por um grande número de empresas e trabalhadores nos setores voltados para o turismo e relacionados. No entanto, a redução no número de visitantes, congestionamentos e lixo estão sendo bem-vindos. Isso dá aos destinos a oportunidade de repensar o volume e o tipo de visitantes que desejam atrair no futuro.
Como em outras mudanças, a crise pode acelerar algumas tendências pré-existentes, em vez de provocar um repensar fundamental das atividades e dos relacionamentos. Por exemplo, o turismo sustentável estava se tornando cada vez mais uma consideração importante e as mudanças podem ser aceleradas, incluindo possíveis limites no número de visitantes, novos impostos ou taxas e novas metas de emissões.
Muito se fala sobre um declínio no turismo de massa, e a possibilidade de uma maior valorização das viagens ou turismo regionais focados em experiências. O que você acha disso?
Haverá um aumento nas viagens regionais no curto prazo, devido a uma combinação de restrições remanescentes; viajantes que buscam economia após recessão; e mudanças de sentimentos para destinos mais conhecidos, que tenderão a estar mais perto de casa.
Isso também está fortemente ligado à pergunta anterior, pois os destinos podem repensar o tipo de visitante que eles pretendem atrair no futuro, com possíveis impactos nos custos. No entanto, as tendências de longo prazo no aumento da acessibilidade das viagens devem continuar e gerar um retorno no volume de viagens. O crescimento do mercado emergente e o aumento contínuo da classe média emergente aumentarão a população de viajantes, enquanto os modelos de negócios existentes significam que os custos de viagem permanecerão acessíveis a muitos sem novas intervenções políticas. Em vez de simplesmente competir por participação de mercado, os destinos podem precisar estabelecer limites ou incentivar mais viagens a destinos secundários ou terciários, incluindo novos investimentos em capacidade em destinos alternativos.
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