Um jornalista e um veículo de comunicação que recebem vasto material bombástico com denúncias envolvendo governos e/empresas precisam trabalhar muito antes de iniciar a divulgação. É um processo trabalhoso e extremamente meticuloso que passa inicialmente por mecanismos de checagem acerca da autenticidade do material - que por óbvio não envolve os denunciados.
Por Renata Mielli*
"Os fatos são graves e não podem ser relativizados em função da forma de obtenção das informações", aponta Renata.
Mesmo autêntico é preciso ter um bom lastro jurídico, porque certamente o veículo será alvo de inúmeras ações e precisa estar previamente preparado. A terceira etapa envolve o trabalho jornalístico de organização, seleção, produção das reportagens, edição dos textos, produção de imagens, gráficos e tabelas quando necessário.
O celular do Moro foi hackeado dia 04/06. A primeira reportagem do The Intercept foi publicada dia 10. Ou seja, impossível que a origem dos documentos seja essa.
As especulações de que a origem dos documentos seja de um hacker são muito inconsistentes, mas têm um impacto social: como a esmagadora maioria das pessoas desconhecem o ciberativismo, ignoram a cultura hacker - termo já muito criminalizado pela mídia - e não sabem minimamente como funcionam a internet e suas aplicações, essa narrativa acaba tendo força.
Pode-se fazer todo tipo de conjecturas sobre a origem desse material.
Mas, não há espaço para especulação em torno do seu conteúdo, que escancara a degeneração de parte importante do nosso Sistema de Justiça.
Algumas considerações sobre a corrupção: A estrutura do Estado brasileiro foi erigida sob bases patrimonialistas e nada republicanas. Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são totalmente permeáveis à pressão econômica, que em última instância possui objetivos políticos.
Quando alertamos para o fato de que o Estado brasileiro precisa passar por reformas estruturantes - que alterem seus mecanismos de funcionamento para que sejam mais transparentes, permitindo maior participação e controle da sociedade - é porque só revolvendo as bases carcomidas das nossas instituições e renovando-as é que será possível combater malfeitos e desvios de conduta em nome de interesses particulares.
Mudar as pessoas ou grupos políticos que estão à frente dessas instituições pode amenizar ou aprofundar o grau de corrupção (entendida aqui não somente como a de vantagem econômica, mas a política tb), mas não vai combater essa doença que atinge o Estado.
Sinto dizer aos puros de plantão, que a corrupção não está nas pessoas (claro que existem os maus-caracteres e picaretas), mas está nas instituições e estruturas do Estado.
Reforma Política, Reforma do Judiciário, Reforma Tributária e a Democratização dos Meios de Comunicação são quatro dessas reformas estruturantes necessárias para termos um estado organizado sob critérios rígidos de transparência, condutas e funcionamentos que garantam o controle da sociedade.
O que a reportagem do The Intercept, sob o comando do jornalista Glenn Greenwald, está fazendo é expor essa situação, que a mídia brasileira sempre tentou esconder, por ser parte dessa estrutura viciada da sociedade.
Os fatos são graves e não podem ser relativizados em função da forma de obtenção das informações.
Ignorar o conteúdo devastador que mostra um acordo entre estruturas, que deveriam funcionar de forma independente, para influenciar decisões que têm impactos políticos, econômicos e sociais de tamanha envergadura seria decretar nossa falência como nação que almeja se construir em bases democráticas.
*É jornalista, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Secretária Geral do Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé.
Publicado no Facebook da autora
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