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quinta-feira, 13 de junho de 2019

General diz que ruralistas pressionaram por 58 cargos na Funai

Manaus (AM) – O general da reserva Franklimberg de Freitas, exonerado na terça-feira (11) da Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), é o primeiro militar a sair do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) por pressão política da base aliada. 


Por Izabel Santos, da Amazônia Real

Mário Vilela/Funai
general da reserva Franklimberg de Freitas diz que sofreu pressão dos ruralistas por cargos na Funaigeneral da reserva Franklimberg de Freitas diz que sofreu pressão dos ruralistas por cargos na Funai
Ainda sob o impacto da demissão do órgão indigenista, Freitas concedeu uma entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, na qual revelou que sua exoneração foi uma exigência do secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura (Mapa), Luiz Antonio Nabhan Garcia.
O general disse que não aceitou conceder 58 cargos da Funai para indicações feitas pelo secretário, o que gerou uma “animosidade” e “uma vingança” da bancada ruralista no Congresso.

Nabhan Garcia é recebido por Bolsonaro  

O secretário Nabhan Garcia é presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR). Ele é um dos principais opositores da reforma agrária e das demarcações de terras para populações indígenas e quilombolas. No Mapa, o secretário é subordinado à ministra Tereza Cristina, uma defensora do agronegócio.

“É uma postura pessoal da bancada ruralista contra a minha pessoa. Entrei na Funai pela porta da frente, saio pela porta da frente e com o CPF limpo. E durmo tranquilo, pois todas as minhas ações são corretas e às vezes sou solicitado para realizar determinadas ações que não estão de acordo com a legislação e não as cumpro. [Isso] Gerou essa animosidade junto à bancada ruralista, não só com o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), mas também com o secretário de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura, senhor Nabhan Garcia, que nessa transição, agora, receberia 26 cargos da Funai e queria 58 cargos”, disse o general Franklimberg de Freitas à Amazônia Real.

“Como um gestor público, não posso estar cedendo cargos de um órgão federal para outro sem que haja um amparo legal para isso. E isso aí foi o que gerou essa outra animosidade. Ele [Nabhan] que é da bancada ruralista, contra o presidente da Funai e, eu poderia, caso assim o fizesse, responder ao Ministério Público depois por ter cedido cargos que não pertenciam ao outro ministério”, disse o general.

O deputado federal Alceu Moreira citado pelo ex-presidente da Funai é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), principal braço da bancada ruralista no Congresso Nacional. Ele já possui histórico de ataques às reivindicações por demarcação de terras indígenas em mandatos anteriores.

Para o general Franklimberg de Freitas, os assuntos de interesse da bancada ruralista se contrapõem à legislação em vigor. “Então, se eles têm maioria no Congresso Nacional, seria inteligente da parte deles, ou ter coragem para que pudessem reformular essas leis no Congresso Nacional. Aí sim, poderiam ficar mais confortáveis nos seus anseios, nas suas demandas, perante as ações da Funai. Porque a Funai cometeu erros no passado, nós sabemos disso. Mas, atualmente, os seus servidores, diretores e o presidente, claro, cumprem o que está previsto na lei. Os servidores da Funai jamais ficariam alheios à legislação em vigor”, disse.

Franklimberg Freitas contou que pesou em sua exoneração a insatisfação da bancada ruralista com a aprovação da Medida Provisória n. 870/2018, que devolveu à Funai e a competência por demarcação de terras indígenas para o Ministério da Justiça, de Sérgio Moro.

Os ruralistas queriam a manutenção da proposta original, que deixava a primeira [subordinação da Funai] sob a responsabilidade do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos; e a segunda [demarcação], com o Ministério da Agricultura. Em abril, os povos indígenas protestaram contra a MP, em Brasília, durante o Acampamento Terra Livre (ATL).

A MP 870 previa que os processos de identificação e delimitação de terras indígenas, além do licenciamento ambiental, passassem pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mais especificamente para o Incra.

“Infelizmente, apesar de eles terem mais de 200 parlamentares na frente ruralista, não conseguiram aprovar isso que constava na MP. Ou seja, essas competências de identificação, delimitação, demarcação e licenciamento ambiental retornaram para a Funai. E, naturalmente, a Funai também saiu do Ministério de Direitos Humanos e retornou para o Ministério da Justiça, onde eles teriam mais dificuldades de buscar assuntos do seu interesse junto ao ministro Moro. Com isso, essa insatisfação da bancada ruralista, fez com eles levassem ao conhecimento do senhor presidente [Jair Bolsonaro] essa insatisfação e, naturalmente, o senhor presidente também está em um momento em que precisa da aprovação do Congresso Nacional da Reforma da Previdência. E pediram para que o presidente [da Funai] fosse afastado. E eu, como não fiz nada de errado, graças a Deus, fui consultado para que pedissem a minha exoneração a pedido, mas não o fiz. Então ficou a critério do Governo fazer essa exoneração, que deve ser publicada amanhã [hoje, 12/06]”, afirmou o general.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura disse que o secretário Nabhan Garcia estava em viagem, mas assim que retornasse à Brasília responderia à Amazônia Real. A assessoria do deputado Alceu Moreira disse que ele não vai comentar as declarações do general.

Linhão de Tucuruí

Nos últimos seis meses, como presidente da Funai, Franklimberg acompanhou o processo do licenciamento do Linhão de Tucuruí, previsto para ser construído dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari, na divisa do Amazonas com Roraima.

Os indígenas Kinja, como eles se autodenominam, querem realizar a Consulta Prévia da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é Lei no Brasil, desde 2004. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) ameaça declarar o empreendimento de interesse da política de segurança nacional, excluindo, assim, a consulta.

À Amazônia Real, o general Franklimberg disse que o processo de licenciamento tramita no Ministério de Minas e Energia, mas a atenção ao caso do Linhão de Tucuruí está voltada para o próximo dia 19 de junho, quando o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) vai analisar a nulidade da obra dentro do território indígena.

“Para você ter uma ideia, hoje mesmo (11/06), eu estive com um procurador da AGU (Advocacia Geral da União) no Tribunal Regional Federal 1 para prestar assessoramento sobre a situação de consulta dos indígenas Waimiri Atroari no processo. Ou seja, estamos todos muito voltados para que esse Linhão venha a ser construído. Eu, apesar de já estar ciente que estava fora da Funai, estive lá, conversei com a desembargadora junto com o procurador da AGU para prestar os esclarecimentos necessários. De sorte que, com esse julgamento a ser realizado no dia 19, eles possam ter os dados suficientes para que venham a tomar decisão favorável à construção do Linhão Manaus-Boa Vista”, disse o general.

Sobre o protocolo de consulta dos Waimiri Atroari, Freitas disse que sua realização é prevista para o mês de julho. As lideranças da etnia querem que primeiro sejam realizadas consultas nas 56 aldeias, onde vivem mais de 2.100 indígenas na terra indígena.

A obra do Linhão de Tucuruí prevê a construção de 250 torres de linha de transmissão para Boa Vista (RR), o que pode impactar aldeias, roças, lagos e rios, além dos lugares sagrados e um grupo de índios isolados.

“Realmente, por algum tempo, houve uma contestação por parte do Ministério Público sobre esse processo e, naturalmente, a Funai orientou, participou, conduziu junto com os Waimiri a irrigação deste protocolo de consulta e assim que esse protocolo foi finalizado. Foi estabelecido um cronograma para a construção, para os estudos de impacto ambiental e o plano básico ambiental indígena. Esse plano que foi elaborado ano passado, em março do ano passado, ele tem como conclusão agora, em meados de julho. Ou seja, toda sua programação está dentro de um cronograma traçado junto com o protocolo de consulta. Todas as ações que vêm sendo realizadas nesse processo possuem a aquiescência, o aval, da comunidade indígena Waimiri Atroari”, afirmou o general Franklimberg de Freitas.

“Demarcações estão voltando”

Desde 1o de janeiro, quando o presidente Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República, nenhum processo de demarcação avançou. Não houve portaria de demarcação ou homologação. O presidente tirou da Funai a atribuição passando para o Ministério da Agricultura.

Com o retorno da Funai ao Ministério da Justiça, como determinou a votação da MP 870 no Congresso, o general Franklimberg acredita que as demarcações sejam retomadas.

A MP 870 reestruturou a Esplanada dos Ministérios, reduzindo de 29 para 22 o número de pastas do primeiro escalão. Na versão original da medida, o governo Bolsonaro não previa a devolução da Funai para o Ministério da Justiça. A transferência foi sugerida no parecer do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado e relator da MP, após mobilização do movimento indígena.

“Esse é um processo previsto no Decreto Lei 1775/1976, em que esse procedimento tem um processo em fases e a última fase é a homologação, que é assinada pelo senhor presidente da República. E, como estamos em uma transição desse primeiro semestre, a Funai perderia a identificação, delimitação e licenciamento ambiental. Então, como neste primeiro período estávamos na transição para o Ministério da Agricultura, não houve parecer sobre processos de demarcação no que diz respeito à homologação. Como a MP [870] foi votada na semana passada, somente a partir da semana que vem é que o processo volta para a Funai. Então, nada foi realizado no que diz respeito à homologação, apenas os processos que tinham determinação judicial foram realizados, mas isso não implica em homologação, mas em diversas etapas das fases dos processos de demarcação”, disse o general.

Com relação às ameaças aos territórios indígenas, como invasão de fazendeiros e madeireiros, intensificadas com as promessas do presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de “não demarcar terras”, o general Franklimberg Freitas disse que a Diretoria de Proteção Territorial conta agora com um especialista em operações de inteligência.

“Nesse período, já foram realizadas mais de 20 operações de coibição aos ilícitos dentro das terras indígenas. A Funai não ficou omissa e está atuando e esteve atuando, em muitas atividades de coibição de ilícitos em terras indígenas em todo o Brasil. Não foi o bastante em termos de operações que necessitam ser realizadas, porque temos 450 terras indígenas demarcadas e inúmeras outras em várias situações. É claro que o número de operações ainda é insuficiente”, afirmou ele.

Desacato aos servidores


Esta é a segunda vez que Franklimberg de Freitas é exonerado da Presidência da Funai por pressões da bancada ruralista. Sob protestos do movimento nacional indígena, ele assumiu o órgão em maio de 2017, durante o governo Michel Temer. Pressionado pela bancada ruralistas, ele se antecipou e pediu a demissão no Dia do Índio, em abril de 2018.

Na época, foi a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), presidida pelo deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), que alegou ter recebido reivindicações até de indígenas ligados a essa FPA.

“Infelizmente, a Funai sofre muitos interesses. Tem muitos vetores que atuam buscando influenciar o andamento do serviço. E, a bancada ruralista, que tem muitas terras em litígio contra os processos de demarcação, tem um peso, de mais de 200 deputados, que sempre estão pressionando o Governo Federal. Da mesma forma que aconteceu na última vez em que estive na Funai. Da mesma forma, o presidente Temer, naturalmente, estava precisando de apoio, e a Bancada Ruralista foi lá e pediu para que eu saísse da Funai”, lembrou o general Franklimberg de Freitas.

Em seguida, falando em terceira pessoa, ele explicou como foi o cenário para sua demissão ontem (11). “Agora, na realidade, essa animosidade que a bancada ruralista tem com o general Franklimberg, é porque o deputado federal Alceu Moreira, ex-presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, em uma determinada ocasião em julho de 2017, foi à Funai, e na presença do presidente e demais servidores, desacatou a instituição, desacatou os servidores e tive de me posicionar como gestor contra a pessoa do senhor deputado Alceu Moreira. Daí, ele criou essa animosidade e busca sempre essa chamada vingança contra o general Franklimberg por ter sido chamado a atenção por uma coisa que ele fez na Funai”, disse Freitas

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