Pois é... Eu havia escrito aqui e dito na Rede TV e na Band News FM que o juiz não havia estabelecido o nexo entre os contratos citados pelos procuradores e o tríplex. E fui xingado pelo idiotas que não leram nada!
Por: Reinaldo Azevedo
Publicada: 19/07/2017 - 7:33

O país anda tão atrapalhado, e de tal
sorte os vigaristas estão presentes ao debate que até a imprensa séria
se mostra absurdamente incapaz de separar o principal do acessório. Se a
notícia trouxer, de substancial, o alho e, de ornamento, o bugalho, não
duvidem: o bugalho vai parar no título. É um troço assombroso. O
problema é o leitor, internauta, ouvinte ou telespectador ser
surpreendido, mais adiante, por uma decisão da Justiça que, embora
lógica, há de lhe parecer absurda. O juiz Sérgio Moro, na resposta aos
embargos de declaração interpostos pela defesa de Lula, deu uma
escorregada feia, como sabem todos os operadores do direito que
atentaram para a questão. E poderá ter consequências. Mas a imprensa não
deu bola. Preferiu chamar a atenção para o fato de que o juiz comparou o
ex-presidente a Eduardo Cunha. Que importância tem isso? Nenhuma!
Antes que continue, uma lembrança.
“Embargos de declaração” constituem um recurso que permite questionar o
juiz sobre eventuais passagens obscuras ou até contraditórias da
sentença. Em regra, não muda o julgado, a menos que se constate um erro
material, que interfira na situação objetiva do réu. Sim, trata-se de um
instrumento importante porque pode acontecer o que se verificou desta
feita. Vamos ver.
A denúncia (íntegra aqui)
oferecida pelo Ministério Público Federal é clara a mais não poder:
afirma, com todas as letras, que os recursos que resultaram no tal
tríplex do Guarujá derivaram de três contratos mantidos por consórcios
integrados pela OAS com a Petrobras: um para obras na Refinaria Getúlio
Vargas-Repar e dois para a Refinaria Abreu e Lima. Transcrevo para vocês
o trecho:
“Com
efeito, em datas ainda não estabelecidas, mas compreendidas entre
11/10/2006 e 23/01/2012, LULA, de modo consciente e voluntário, em razão
de sua função e como responsável pela nomeação e manutenção de RENATO
DE SOUZA DUQUE [RENATO DUQUE] e PAULO ROBERTO COSTA nas Diretorias de
Serviços e Abastecimento da PETROBRAS, solicitou, aceitou promessa e
recebeu, direta e indiretamente, para si e para outrem, inclusive por
intermédio de tais funcionários públicos, vantagens indevidas, as quais
foram de outro lado e de modo convergente oferecidas e prometidas por
LÉO PINHEIRO e AGENOR MEDEIROS, executivos do Grupo OAS, para que estes
obtivessem benefícios para o CONSÓRCIO CONPAR, contratado pela PETROBRAS
para a execução das obras de “ISBL da Carteira de Gasolina e UGHE HDT
de instáveis da Carteira de Coque” da Refinaria Getúlio Vargas – REPAR e
para o CONSÓRCIO RNEST/CONEST, contratado pela PETROBRAS para a
implantação das UHDT´s e UGH´s da Refinaria Abreu e Lima – RNEST, e para
a implantação das UDA´s da Refinaria Abreu e Lima – RNEST. As vantagens
foram prometidas e oferecidas por LÉO PINHEIRO e AGENOR MEDEIROS, a
LULA, RENATO DUQUE, PAULO ROBERTO COSTA e PEDRO JOSÉ BARUSCO FILHO
[PEDRO BARUSCO], para determiná-los a, infringindo deveres legais,
praticar e omitir atos de ofício no interesse dos referidos contratos.”
Na sentença em que condena Lula (íntegra aqui),
com efeito, Sérgio Moro não demonstra os vínculos entre os contratos
para tais obras e o dito apartamento. Ora, evidenciá-los parecia a todos
coisa obrigatória, uma vez que se trata do crime de corrupção passiva.
Ainda que a denúncia vincule os diretores nomeados por Lula com os
supostos benefícios indevidos, lá está a acusação formal: estes teriam
saído dos contratos referentes às três obras.
E a defesa de Lula, por óbvio, levantou
essa questão. Até porque, ao arbitrar a multa, o juiz apela justamente
aos casos citados pelo Ministério Público Federal. E eis que Sérgio Moro
deu uma resposta que não deixa de ser surpreendente. Escreveu ele:
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram usados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.
Epa! É mesmo? O curioso é que eu havia afirmado precisamente o que diz Moro. E o fiz em post publicado
neste blog, em comentários no RedeTV!News, no jornal matutino da Band
News FM e no programa “O É da Coisa”, da mesma emissora. E, claro, fui
alvo de ataques mixurucas. Mais: pergunta a defesa com acerto: se é
assim, por que o caso está na 13ª Vara Federal de Curitiba?
Ora, então um juiz acata uma denúncia e
admite que, ao dar a sentença, decidiu ignorá-la? É claro que a defesa
de Lula percebeu a contradição. Ao se explicar, Moro afirmou:
“A corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel”.
Pois é: então seria preciso evidenciar a) a existência da conta geral de propinas: b) dentro dela, demonstrar que houve o tal abatimento. E, bem, nada disso está dado.
“A corrupção perfectibilizou-se com o abatimento do preço do apartamento e do custo da reforma da conta geral de propinas, não sendo necessário para tanto a transferência da titularidade formal do imóvel”.
Pois é: então seria preciso evidenciar a) a existência da conta geral de propinas: b) dentro dela, demonstrar que houve o tal abatimento. E, bem, nada disso está dado.
Aí pergunta o tonto: “Você está
defendendo Lula?”. Não! Estou cobrando que um juiz dê uma sentença que
guarde relação com a denúncia apresentada. Afinal, testemunhos, provas
etc. dizem respeito à dita-cuja, não? Ou algum advogado demonstre que
estou errado.
Ah, sim: e qual foi mesmo o destaque que
se deu por aí? Moro comparou a ausência de provas de que o tríplex
pertença a Lula com a situação de Eduardo Cunha. Escreveu:
“Assim não fosse, caberia, ilustrativamente, ter absolvido Eduardo Cosentino da Cunha na ação penal 5051606-23.2016.4.04.7000, pois ele também afirmava como álibi que não era o titular das contas no exterior que haviam recebido depósitos de vantagem indevida, mas somente ‘usufrutuário em vida’ (….) Em casos de lavagem, o que importa é a realidade dos fatos segundo as provas e não a mera aparência.”
“Assim não fosse, caberia, ilustrativamente, ter absolvido Eduardo Cosentino da Cunha na ação penal 5051606-23.2016.4.04.7000, pois ele também afirmava como álibi que não era o titular das contas no exterior que haviam recebido depósitos de vantagem indevida, mas somente ‘usufrutuário em vida’ (….) Em casos de lavagem, o que importa é a realidade dos fatos segundo as provas e não a mera aparência.”
Bem, Moro sabe que são casos que não se
comparam, né? Até porque o que se tenta aí é um truque retórico antigo,
que não serve ao direito: mostrar que o juiz, por ter agido com acerto
num caso, certamente agiu com acerto em outro.
A defesa de Lula diz que vai recorrer
novamente. É certo que os desembargadores do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região vão se debruçar sobre o tema. E, a depender da decisão, a
coisa vai para uma corte superior. Reitero: não se trata de responder se
o apartamento era do ex-presidente ou não. Eu posso achar que sim. E
daí? O Ministério Público Federal precisa apresentar a prova. Moro acha
que isso aconteceu. Ocorre que, para chegar a essa conclusão, ele
ignorou a denúncia. E se fiou unicamente na delação de Léo Pinheiro.
Se é para comparar, e desta feita de
forma devida, não se esqueçam de que o TRF4 absolveu João Vaccari Neto
do crime de corrupção passiva, em um dos processos, justamente porque
considerou que a condenação em primeira instância se dera unicamente com
base na delação.
E, por óbvio, um novo umbral do direito
pode ser atravessado, que não me parece bom: o órgão acusador apresenta
uma denúncia, e o juiz condena o réu por outra.
Isso vai dar muito pano para toga, podem apostar.
Fonte: https://www3.redetv.uol.com.br/blog/reinaldo/xiii-moro-escorrega-e-admite-que-a-sentenca-que-condenou-lula-nao-tem-como-base-a-denuncia-do-mpf/