Três golpes de Estado em dez anos, um militar e dois eleitorais, é o balanço de um dos países mais pobres e desiguais da América Latina. E tudo tem um objetivo muito claro: a imposição do modelo neoliberal mediante a violência em um país chave, sempre foi uma retaguarda estratégica para as operações dos Estados Unidos na América Central.
Por Katu Arkonada*
As mobilizações populares crescem em Honduras. Nestes
últimos dias já são 60 mil médicos e professores em pé de guerra contra
um sistema político que busca, por imposição do Fundo Monetário
Internacional, a privatização da saúde e da educação. As mobilizações
contam com tanto apoio popular que até a Polícia Nacional se somou à
greve, forçando o governo de Juan Orlando Hernández a fazer retroceder
as forças armadas designadas à repressão dos protestos populares.
Mas esta história começa há dez anos, num 28 de junho de 2018, quando
200 militares encapuzados entraram, com o cair da noite, de forma
traiçoeira na casa presidencial de Tegucigalpa e tiram o presidente
Manuel Zelaya de pijamas para, depois de uma breve passagem por uma base
militar, deportá-lo à Costa Rica, apesar de que o artigo 102 da
Constituição proíbe expressamente que qualquer hondurenho seja
expatriado ou entregue a um Estado estrangeiro.
Manuel Zelaya ao ser prsdo pelos golpistas
O argumento para o golpe de Estado era a intenção de Mel Zelaya de
colocar uma urna na eleição seguinte, promovendo um referendo que
abrisse caminho a reformas constitucionais. Mas essa era a desculpa. No
fundo a questão é que Zelaya, um latifundiário que havia ganhado as
eleições com o apoio do Partido Liberal, havia dado um giro à esquerda
depois de conhecer as penúrias do povo hondurenho, escondido na pobreza e
violência, e, inclusive, com a autorização do Parlamento havia
incorporado Honduras primeiro ao Petrocaribe e, logo depois à Alba
(Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América).
Este foi o primeiro golpe com êxito contra os governos do ciclo
progressista, e se deu contra sua face mais frágil, inaugurando um largo
e longo período de restauração conservadora na América Latina, que
continuou com os golpes parlamentares no Paraguai contra Fernando Lugo, e
no Brasil contra Dilma Rousseff, ao mesmo tempo que se fortalecia a
chamada lawfare, a guerra jurídica, contra líderes progressistas como
Lula, Cristina Kirchner e Rafael Correa.
Mas Honduras viveu dois golpes mais, neste caso, eleitorais.
Em 2013, e já com Manuel Zelaya de volta ao país, mas impossibilitado de
se candidatar, Xiomara Castro [ex-primeira dama de Honduras] foi
candidata presidencial pela coalizão entre o Partido Liberal e o Livre
[Partido Liberdade e Refundação, sigla de esquerda criada em 2011 pela
Frente Nacional de Resistência Popular, presidido por Zelaya]. A
inexperiência de Livre e sua distribuição territorial desigual levou à
manipulação das eleições em benefício de Juan Orlando Hernández. Um dado
importante: ao mesmo tempo em que era feita a recontagem de votos, os
magistrados do Tribunal Supremo Eleitoral estavam reunidos com a
embaixadora dos Estados Unidos em Honduras.
Mas foi em 2017 quando o terceiro golpe, segundo eleitoral, este já não
como tragédia, mas como farsa, se consuma depois de ter sido iniciado em
2009. Nas eleições em que o Livre e o PAC de Salvador Nasralla
enfrentavam a a reeleição de Juan Orlando Hernández, o comunicado da
nada suspeita Secretaria Geral da OEA sobre o resultado das eleições
joga mais claridade que qualquer análise política que possamos escrever:
instruções humanas deliberadas no sistema eletrônico, eliminação
internacional de rastros digitais, impossibilidade de conhecer o número
de oportunidades em que o sistema esteve vulnerável, urnas de votos
abertas ou sem atas, improbabilidade estatística extrema com respeito
aos níveis de participação dentro do mesmo departamento, cédulas de voto
recém impressas e irregularidades adicionais, somadas à estreita
diferença de votos entre os dois candidatos mais votados, tornam
impossível determinar com a necessária certeza quem foi o vencedor.
Assassinos de Berta Cáceres continuam impunes
Três golpes de Estado em dez anos, um militar e dois eleitorais, é o
balanço de um dos países mais pobres e desiguais da América Latina. E
tudo tem um objetivo muito claro: a imposição do modelo neoliberal
mediante a violência em um país chave, sempre foi uma retaguarda
estratégica para as operações dos Estados Unidos na América Central. A
impunidade com que foi assassinada a defensora do meio ambiente Berta
Cáceres em um país cujo irmão do presidente Hernández é suspeito de ser o
gestor das rotas de tráfico de cocaína para os Estados Unidos, é
provavelmente a melhor, e talvez mais terrível metáfora de como foi
instrumentalizada a doutrina de shock para disciplinar a população
civil.
Uma doutrina de shock cuja consequência mais dramática são as caravanas
de milhares de pessoas que fogem de suas vidas fruto da desapropriação
social neoliberal e deixam para trás famílias e bens para tentar
alcançar o “american way of life”, ainda que às custas do risco de
sofrer extorsões, sequestros ou assassinatos no caminho.
É por isso que os irmãos migrantes centro-americanos em geral, e os
hondurenhos em particular, devem ser tratados como refugiados políticos
de uma ditadura, a ditadura do modelo neoliberal, e quando os meios de
comunicação de massa querem falar de direitos humanos ou o drama
migratório em outras partes mais distantes, devemos exigir que vão à
Honduras e nos contem não só o que lhes serve como reality show para
ganhar mais audiência, mas as causas reais desta migração massiva.
E para começar a solucionar este drama, façamos nosso o comunicado do
Livre publicado em 20 de junho, assinado por Mel Zelaya no mesmo dia que
as forças armadas assassinavam o taxista Erick Peralta, onde se declara
a luta permanente contra a ditadura dirigida pelos Estados Unidos desde
2009 e deixa muito claro: Hernández deve sair já.
*Katu Arkonada é cientista político. O artigo foi publicado originalmente no jornal mexicano La Jornada
.
Tradução: Mariana Serafin
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